segunda-feira, 31 de maio de 2021

 




Informação e satisfação

Cinco séculos mais tarde 
continua a prevalecer em Tomar a mentalidade Inês Pereira

António Rebelo

Nos reinados de D. Manuel I e D. João III, quando Tomar teve grande importância no país, por ser a Casa sede da Ordem de Cristo, senhora dos novos territórios descobertos (ou invadidos, segundo o ponto de vista dos indígenas que já lá estavam), houve no vale do Nabão muita cultura, durante as longas estadas da corte, que então era itinerante.
Numa dessas ocasiões, Gil Vicente, pai do teatro português, desafiado a apresentar obra nova, escreveu e mandou representar o Auto de Inês Pereira, lá em cima, não se sabe se no convento velho (o mais provável) ou no convento novo.
Inês Pereira, jovem tomarense em idade de casar, é confrontada com uma escolha difícil. Seus país tinham encarregado uma alcoviteira de lhe procurar noivo, numa época em que o pai da nubente devia pagar um avultado dote, se tivesse meios para tanto.
A alcoviteira conseguiu dois candidatos. Um jovem e esbelto escudeiro, com alguns meios, e um proprietário abastado, com idade para ser pai da noiva. Contra o que seria de esperar vindo de uma moça nova, Inês Pereira preferiu o proprietário idoso, o que naturalmente escandalizou a vizinhança, já então com bastante mau feitio (convém nunca esquecer que o primeiro tribunal português do Santo Ofício da Inquisição, funcionou em Tomar, mais precisamente nas agora chamadas salas das cortes, do lado poente do claustro da Micha).
Pressionada no sentido de justificar a sua escolha, Inês Pereira não teve dúvidas. "Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube" disse ela.
Cinco séculos mais tarde, os tomarenses continuam a pensar da mesma forma: Entre informação deficiente mas agradável e boa informação mas agreste ou desagradável, escolhem a deficiente. Entre uma candidatura com projecto e capacidade, e uma outra fraca mas boa na compra de votos e na realização de eventos à borla, escolhem a candidatura fraca, porque é mais agradável.
A mentalidade Inês Pereira parece estar de tal forma entranhada no vale nabantino, que já quase ninguém nota. É a norma local. Um leitor assíduo comentava no Tomar na rede que leu "noutro blogue" um texto sobre informação estilo americano e estilo europeu, mas chamou-lhe discurso e absteve-se de identificar o Tomar a dianteira, decerto por ser um blogue que ousa publicar coisas agrestes, duras e desagradáveis, sendo por isso um blogue maldito, não convindo fazer publicidade nem fazer constar que se lê. Antes notícias que me levem, que crónicas  que me derrubem.
Se eu tivesse menos 20 anos e almejasse candidatar-me a algum lugar bem pago, é provável que Tomar a dianteira pudesse muito bem ser mais macio. Não sendo o caso, magoa por ser agreste, mas como é escrito sobretudo para memória futura, tanto faz que seja muito ou pouco lido ou comentado. Já no final do século XV os reis católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, adoptaram como divisa uma canga, com a legenda tanto monta/monta tanto. Tanto faz assim como assado.

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