sexta-feira, 21 de maio de 2021

 




Autárquicas 2021

TOMAR CULTURA 
VIVA A INCONSCIÊNCIA

António Rebelo

Vem aí o verão e a câmara anuncia mais animação. Cultural, pois é claro. Mais 150 mil euros a gastar entre Junho e Setembro, visto que as eleições são em Outubro, ao que tudo indica. Trata-se obviamente de comprar votos, como de resto reconhece a própria entidade organizadora, ao escrever no texto promocional  que "falamos igualmente das suas famílias [dos alegados profissionais da cultura viva] que viram os seus rendimentos bastante diminutos..."
Faltou-lhes base lexical para usar o adequado diminuídos ou reduzidos em vez de diminutos, mas compreende-se. O idioma pátrio não faz parte, ou já não faz parte, deste "setor basilar na nossa sociedade", para continuar a usar o vocabulário dos organizadores.
E depois equivocaram-se também na denominação da série de eventos com entrada franca, que naturalmente a sua mentora vai depois classificar como espetaculares. É que, no modesto entendimento de quem tecla estas linhas, que não se pretendem culturais de forma alguma, ajudar com dinheiros públicos as famílias dos profissionais do espetáculo, cujos rendimentos diminuíram devido à pandemia, não é de certeza Cultura Com Vida. Apenas esmolas, subsídios, ajuda solidária, no quadro da ação social do município. Nada de confusões.
Segue-se outra enormidade, daquelas que apenas podem debitar os adultos com problemas de adolescência mal resolvidos. Segundo o texto promocional, publicado na imprensa local, "Se Tomar Com Vida demonstrou a nível nacional que é possível realizar com toda a segurança... ...Tomar Cultura Viva vai demonstrar que possível continuar a respirar cultura". E logo mais adiante esta informação esclarecedora: "Os espetadores e artistas poderão desta vez contar com casas de banho públicas acessíveis."
Então o ano passado as condições de segurança afinal não incluíam casas de banho acessíveis? Os assistentes e os assistidos ou atravessavam a ponte, ou aliviavam-se atrás dos arbustos? É a isto que chamam "toda a segurança"?
Apesar do que antecede, não sou de forma alguma contra os patrocínios camarários à cultura, nem contra quem os organiza, por razões pessoais, pois nem conheço a pessoa. Foi-me apresentada em tempos, na Corredoura, pelo meu saudoso amigo arquitecto Costa Rosa, mas ficou com um ar tão comprometido, que apenas foram trocadas duas frases, se bem me lembro. Limito-me portanto a assinalar lapsos, demasiado numerosos para o meu gosto. Como este, segundo o qual "Tomar Cultura Viva vai demonstrar que "é possível continuar a respirar cultura". Com franqueza! Respirar casticismo em Sevilha, savoir vivre em Paris, beleza em Veneza, cosmopolitismo em Londres, exotismo em Luang Prabang, progresso em Nova Iorque ou encantamento em Machu Pichu, ainda se percebe. Agora respirar cultura, nem durante uma visita a Harvard, à Acrópole ou à pirâmide em degraus de Sakara, quanto mais agora numa modesta urbe, perdida no centro de um pequeno país europeu periférico, a viver de esmolas de Bruxelas.
Mas foi nestas criaturas que os tomarenses votaram, há oito e há quatro anos, e por conseguinte temos de prosseguir com cara alegre, apesar de tudo. É o que temos, pela vontade popular, livremente expressa. 
Termino assim com uma pergunta inconveniente, típica de quem respira pouca cultura:
Se a Mata dos sete montes tem todas as condições para acolher espetáculos ao ar livre (recinto fechado, vasto, com três entradas paralelas, casas de banho modernas, terreiro livre, fácil acesso), porque insistem em maltratar a já tão degradada relva do Mouchão?
Deve ser, calculo eu, uma questão de antecedentes. Quem não nasceu, nem foi batizado, nem cresceu em Tomar, forçosamente vê as coisas de outra maneira. Como escreveu Nini Ferreira, sobre os tabuleiros: "os visitantes admiram a festa, mas os tomarenses olham-na com outros olhos." O mesmo acontece com o Mouchão e as coisas da cidade e do concelho. 

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