terça-feira, 4 de maio de 2021

 



Autarquia


A POLÍTICA DO FAZ  DE CONTA

António Rebelo

O problema será bem mais antigo, mas acentuou-se singularmente a partir da escassa vitória do  PS local, em 2013, face a um PSD de rastos. A partir daí, Anabela Freitas tem tido a habilidade, há que reconhecê-lo, de usar cada vez mais a política do faz de conta, sem todavia alienar o apoio de boa parte do eleitorado.
Logo depois de 2013, os socialistas nabantinos fizeram de conta que tinham uma política, uma estratégia e um projecto para Tomar. Azar o deles e nosso, o incidente de 2015, ainda por explicar, veio revelar que tinham apenas e só uma ideia-mãe -a política do faz de conta. A improvisação permanente.
Imediatamente antes das autárquicas de 2017, já com a política do faz de conta bem rodada, Anabela Freitas aperfeiçoou a coisa. Fez de conta que celebrou uma aliança com os defuntos IpT, quando afinal se limitou a arrebanhar as ovelhas tresmalhadas, tal como procurou fazer o PSD, apanhado de surpresa.
A partir de então, com maioria absoluta no executivo, mas não na Assembleia Municipal, tem sido sempre a somar, com a cumplicidade do PSD, que desempenha muito bem o papel de oposição faz de conta, salvo uma ou outra honrosa excepção.
E tudo ia bem, no melhor dos mundos possíveis, com obras ornamentais a fazer de conta que são estruturais. Com alguns opositores protestando e a maioria PS a fazer de conta que não ouvia. Com a debandada da população e a câmara a fazer de conta que não vê. Com a evidente e assustadora falta de planos robustos e adequados para o médio-longo prazo e a maioria PS a fazer de conta que tem.
Foi neste quadro político, dominado em Tomar pelo faz de conta, que se iniciaram as negociações para a constituição da empresa intermunicipal "Tejo Ambiente -Empresa de ambiente do Médio Tejo". Como o próprio nome indica, ao princípio eram para ser 12 os sócios. Tantos como os que integram o Médio Tejo. Sem quaisquer explicações, acabaram por ficar só 6, dois dos quais praticamente arrastados pelos cabelos. Abrantes, Torres Novas e Entroncamento preferiram outras empresas, se calhar menos faz de conta.
Com uma população total nos seis concelhos bem inferior à da cidade de Leiria, cujo concelho confina com Ourém, tornou-se óbvio que a empresa nascente dificilmente alguma vez deixará de ser deficitária, e que o município oureense apenas aderia em parte, por ter a água concessionada a uma multinacional até 2027, dado os seus esgotos despejarem para Tomar. Se assim não fora, Leiria é ali tão perto...e teríamos não a Tejo Ambiente, mas "Tomar e os pequeninos desamparados" (Ferreira, Barquinha, Mação e Sardoal).
Nesse contexto difícil e para segurar Ourém, acabando com as suas dúvidas, encomendou-se por bom preço um estudo de viabilidade económica, o qual, claro está, demonstrou que o projecto era viável. Bastou fazer de conta que havia 60 mil ramais nos seis concelhos, quando afinal eram pouco mais de metade, entre outras aldrabices convenientes. O tal faz de conta que.
Confrontados com a realidade no primeiro balanço anual, apareceu um buraco de 2,2 milhões de euros, o que levou a fazer de conta que tinham sido apanhados de surpresa. Tanto assim que até acabaram por revelar a marosca: só existiam 31 mil ramais e o estudo económico considerara 60 mil.
Com o seu usual estilo despachado, Anabela Freitas, entretanto escolhida como presidente da Tejo Ambiente, fez de conta que estava tudo bem e até fingiu ignorar que estava sentada entre duas cadeiras -a da câmara e a da Tejo Ambiente- o que a pode colocar em situação de conflito de interesses, como é o caso.
Faz de conta que no pasa nada, terá pensado. Divide-se o prejuízo por 6, na proporção que a cada um cabe (34% para Tomar) e vamos para a frente. Azar dos azares, foi outro o entendimento maioritário da AM, cujos eleitos foram assediados por aqueles eleitores mais atentos que já sabem muito bem o que vem a seguir. Na política, os prejuízos actuais são sempre os impostos, taxas e preços do futuro próximo. Faz algum sentido que um pequeno comerciante tomarense pague pela água o dobro do seu colega do Entroncamento? Faz algum sentido que a água do Castelo do Bode, tratada na Asseiceira, seja mais barata em Lisboa e arredores, do que em Tomar?
Faz de conta que sim, diria Anabela Freitas. Que entretanto parece fazer de conta que a rejeição da sua proposta pela Assembleia Municipal, no uso da sua competência, não tem qualquer importância. Nos dois órgãos informativos que controla, a srª presidente já mandou publicar aquilo que pensa:
"Assembleia Municipal chumbou, mas Câmara está obrigada a  transferir os 812 mil euros para a Tejo Ambiente." Cidade de Tomar online, 03/05/2021
"Câmara está obrigada por lei a transferir 812 mil euros para a Tejo Ambiente... mesmo depois do chumbo da Assembleia Municipal." Rádio Hertz online
Faz de conta que sim. Porque antes de tudo isso a Câmara está obrigada a cumprir o princípio da legalidade, nos termos do qual,  e no quadro da Lei das Finanças locais, que prevalece sobre tudo o resto, o Município só pode transferir ou de algum modo usar verbas antes aprovadas para esse fim pela Assembleia Municipal. Que para já chumbou o pedido da câmara, assim inviabilizando a transferência de forma legal.
Agora Anabela Freitas pode fazer de conta, como resulta das transcrições acima, que o voto contra da AM não tem qualquer valor legal, e transferir para si própria, como presidente da Tejo Ambiente os tais 812 mil euros.
O problema é que, quando e se tal acontecer, tanto a AM como qualquer cidadão podem recorrer ao poder judicial, se necessário, e vai ser uma confusão desgraçada.
Fica escrito, porque sempre me considerei um cão educado. Ladro, ladro, mas antes de morder numa pena, previno sempre o titular da dita.

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