Imagem Tomar na rede, com os nossos agradecimentos
Obras municipais - Sanitários da Várzea grande
Crónica de um ocasional porteiro de retrete
Começo por pedir desculpa aos meus queridos conterrâneos. Vou criticar, e já sei que isso os ofende muito, tanta é a sua tolerância...com os que pensam como eles. Os outros, os que pensam de modo diferente, são naturalmente todos uns malvados. Racismo encapotado? Que ideia!!!
Que fazer, adorados vizinhos de nascença? Cada qual com o seu karma. Uns vão seguindo o rebanho, apoiando os pastores, e são felizes assim. Outros vão criticando e afastando-se cada vez mais, em busca da felicidade perdida ou nunca encontrada.
Durante um circuito de 15 dias na China, nos anos 90 do século passado, até fui forçado pelas circunstâncias a ser porteiro ocasional de uma retrete pública. Foi assim: Lisboa-Londres - Hong-Kong em Boeing 747, daqueles de dois andares. Hong Kong-Macau em heliscafo, aqueles barcos rápidos que deslizam sobre esquis.
Terminada a visita a Macau, onde ainda ondeava a bandeira portuguesa, o guia local avisou, já na Porta do cerco (fronteira): -Agora até Cantão a viagem vai durar cerca de 6 horas. São 200 quilómetros, mas a velocidade máxima autorizada é de 40 à hora. A guia e o motorista só falam cantonês. Alguma necessidade particular durante a viagem, por favor avisem agora.
Apressei-me a lembrar que, de acordo com as normas usuais, as boas práticas, convinha fazer uma paragem após cada duas horas, num local com instalações sanitárias. Ouviu com atenção e foi logo transmitir à guia e ao motorista.
Após cerca de três horas, à velocidade estonteante de 40 quilómetros por hora, numa magnífica auto-estrada novinha em folha, o motorista parou num aparcamento com piso de terra, e a guia apontou para uma construção tradicional baixa, com cobertura de telha e apenas os vãos das portas.
Sairam as primeiras senhoras, para se aliviarem, mas logo regressaram muito alvoraçadas. Aquilo não tem condições nenhumas, diziam. Desci e fui ver. Tinham razão. Eram dois recintos pequenos, com o chão em cimento e uma regadeira profunda, a cerca de 70 cms de uma das paredes. Tudo sem qualquer resguardo.
Voltei ao autocarro, que era dos pequenos, e sugeri: Se estiverem de acordo, faço de porteiro e as senhoras irão aliviar-se uma de cada vez. Precisão a quanto obrigas, todas concordaram, e passado um bom bocado a viagem continuou, sem sequer lavar as mãos, porque não havia. lavatórios, nem torneira disponível.
Entretanto a China progrediu e dispõe agora das melhores estruturas de acolhimento turístico, ao contrário do que acontece em Tomar, por exemplo. Esta introdução serve apenas para mostrar que quem escreve estas linhas já usou milhares de instalações sanitárias. De Pequim às cataratas do Niagara e da Birmânia à Ilha da Páscoa. Ou de Lisboa a Moscovo e de Quito a Macapá, passando por Luanda ou Bombaim.
Foi por isso com alguma surpresa que vi as fotos dos novos sanitários da Várzea grande, publicadas na Tomar na rede.Ver imagem supra, ou aqui:
Aparentemente espaçosos, modernos, limpos e funcionais, carecem todavia de ventilação adequada, e têm uma parede com elementos de calcáreo velho à vista, o que não é aceitável de modo algum em instalações sanitárias. Porque o calcáreo absorve, não permite uma limpeza eficaz, acabando por se desfazer pouco a pouco, sob a acção do chamado salitre, provocado pelos produtos de limpeza com cloro ou amoníaco.
Se fosse numa outra cidade, nem sequer haveria licença de funcionamento. O normativo europeu estabelece que todas as paredes dos sanitários devem ser revestidas com cerâmica vidrada. Uma vez que estamos em Tomar, e tratando-se de uma obra camarária, não se prevê qualquer problema. O arquitecto acabará por dizer que está muito orgulhoso do seu trabalho, como já fez em relação à Várzea grande, e as grandes cabeças que chefiam ou tentam gerir o concelho vão insistir na teoria de que os culpados são sempre os outros, lastimando-se com o usual "lá está o gajo outra vez a dizer mal!" Quer dizer, o projecto é excelente e foi muito bem executado. Quem critica é que não vale nada. A tradição local ainda é o que era.
É também por isso que Tomar está cada vez mais decadente. Os tomarenses continuam a acreditar em balelas. E os que mandam, todos querem ter razão. Ninguém admite erros, ou dá o braço a torcer. Era só o que faltava!, diria o camarada Costa.
Entretanto, os visitantes e os residentes nos concelhos vizinhos vão continuar a rir-se à custa dos nabantinos, realmente uma comunidade com opções e obras cada vez mais bizarras. Mas como aparentemente são felizes assim... Oxalá não façam parte do exército de consumidores de ansiolíticos, neurolépticos, hipnóticos e outros medicamentos calmantes, que em Portugal têm cada vez mais procura:
https://omirante.pt/nacional/portugueses-estao-a-comparar-28-mil-embalagens-de-anti-depressivos-por-dia/