terça-feira, 30 de maio de 2017

Uma explicação seria bem-vinda

Dizia ontem uma senhora para a outra, quando ambas transitavam na Ponte velha, que aquela piroseira nos envergonha  a todos. Referia-se ao grafito ou mural que conspurca o muro de suporte da antiga Horta Torres Pinheiro, o qual não resulta todavia de qualquer acto de vandalismo. Trata-se de uma obra contratada pela Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, via Câmara de Tomar. Paga portanto com dinheiro dos contribuintes, ainda que eventualmente através de fundos europeus.
A localização aberrante, assim como a composição incoerente e maldosa do referido painel, têm concentrado de tal forma a reprovação pública, que o outro mural do mesmo autor, frente ao padrão sebástico de S. Lourenço, continua praticamente ignorado. E no entanto...
Perante o grafito "Velhos do Restelo" fica-se com a ideia que o seu autor é um excelente executante, todavia menos feliz na escolha dos temas, dos protagonistas e da respectiva localização. O mural da antiga passagem de nível confirma esses quatro aspectos -execução, tema, figuras e localização- conquanto exiba um manifesto falhanço. O cálice da extremidade direita aparece deformado em certas posições, conforme mostra mais explicitamente a segunda fotografia. Na primeira, só a base do cálice surge deformada



Além dessa óbvia falha na execução, a composição com cores quentes e envolventes não parece coadunar-se nem com o local, nem com a série de motivos representados, que interpreto como uma crítica à cupidez da igreja. Outrossim, tão pouco se entende porquê nesta terra e naquele local. Perante isto, admitindo que possa estar  equivocado, o ideal seria que o grafiteiro explicasse  aquela sua obra, oralmente ou por escrito. Quererá fazê-lo? Afinal trata-se de uma obra que lhe foi encomendada e paga, como já antes referido, o que justifica o pedido de esclarecimento.
Conta-se aliás por aí uma patusca anedota, também sobre uma pintura mural e a respectiva explicação pelo seu autor. Ei-la: 
Um emigrante rico de retorno à pátria, comprou um arruinado solar do século XVII, que depois mandou restaurar. Durante as obras de restauro, levou lá vários amigos, os quais foram unânimes: aquele grande salão era magnífico, mas com janelas de um só lado não ficava bem. A imensa parede cega chocava. Ficaria melhor com tapeçarias historiadas, ou então com uma pintura mural.
Chamou um artista pintor, o Violant lá do sítio, acertaram o preço e o contratado perguntou-lhe que tema pretendia ver pintado. -Pode ser a vida, porque a minha foi bem dura em tempos, avançou o proprietário. -Pois seja, respondeu o pintor. - Mas não volte cá senão quando eu o avisar que o trabalho está pronto.  Entretanto quero metade do preço combinado. O restante paga depois de ver o trabalho. Assim foi.
Três meses mais tarde, o artista preveniu o proprietário que a obra estava pronta. Combinado o dia e a hora, encontraram-se no imponente solar restaurado. Chegados ao salão, o pintor destapou o mural, até então coberto com panos brancos, e o ex-emigrante até mudou de cor. Na longa e alva parede apareceu uma pintura em forma de S, com mais de uma dezena de vultos masculinos nus, em tamanho natural, cada um sendo sendo penetrado pelo de trás e penetrando o da frente.
Chocado, o ex-emigrante perguntou: -Para si, a vida é isto? -Pois não vê que sim?! A bem dizer, não fazemos outra coisa senão ser penetrados e penetrar os outros. Está sempre a acontecer. -Mas olhe que eu nunca participei em nenhum acto homo, nem activo nem passivo, retrucou o proprietário, nada contente. -Azar o seu, concluiu o artista. Tem sido sempre o primeiro da fila.
Azar o meu. Neste caso dos grafitos pagos pelo erário público, como contribuinte involuntário, também me estou a ver no primeiro lugar da fila. Mais um vez!

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