Assistência social
OS CÃES DO BAIRRO CALÉ
Começo com uma justificação não solicitada. Pode parecer abusivo aproveitar notícias alheias -no caso do Tomar na rede- para elaborar crónicas. Mas que hei-de eu fazer? Vivendo a mais de sete mil quilómetros de Tomar, e não dispondo dos meios técnicos nem humanos da CIA, por exemplo, restam-me os jornalistas conterrâneos, como meus olhos e ouvidos, citando-os sempre e agradecendo a ajuda.
O caso dos pobres cães escanzelados do novo Bairro Calé, Veterinária e polícia resgatam cinco cães no bairro Calé | Tomar na Rede resgatados pela autarquia, com a colaboração da PSP, mostra uma vertente menos conhecida da vida cigana. O que para a Câmara e para o comum dos mortais é um atentado contra os animais e contra a saúde pública, para os residentes naquele bairro é algo normal. Porque eles não partilham, nem querem vir a partilhar, os nossos valores societais. Os nossos costumes. Vêem as coisas de outro modo, com outros olhos. E têm esse direito. Mas há que os levar a escolher. Não podem continuar a querer ter sempre o melhor de dois mundos diversos. O deles e o nosso.
Já o escrevi anteriormente e repito: A ação da Câmara, tendo em vista acabar com o acampamento do Flecheiro, foi corajosa e merece aplauso. Infelizmente para todos, os resultados não estão à altura da coragem demonstrada. Bem pelo contrário. Avolumam-se, a cada dia que passa, as dificuldades de relacionamento entre as micro-comunidades tradicionais e os novos membros ciganos. No 1º de Maio, na Srª dos Anjos, na Bairro calé e por aí.
É claro que a responsabilidade é da autarquia, pois foram cometidos demasiados erros, entre os quais avulta o de insistirem em pensar que está tudo bem, apesar das cada vez mais frequentes críticas. Torna-se ridículo, por exemplo, que um eleito, com responsabilidades executivas, tenha julgado necessário lembrar que nem todos os incidentes, no bairro 1º de Maio, são causados pelos ciganos, como forma de os defender.
Indo ao que julgo ser o cerne da questão, é meu entendimento que um dos grandes problemas portugueses atuais, nos vários domínios laborais, é a atitude dos novos licenciados, mestres e doutores. Em vez de agirem a partir da velha sentença milenar "eu só sei que nada sei...", (Sócrates. Não esse, mas o grego, que viveu cinco séculos antes de Cristo), essencial para saber ouvir os outros, e assim ir aprendendo, não senhor. Preferem a atitude típica do sebenteiro fanfarrão, proclamando que não tem nada a apender com os outros, porque já sabe o suficiente. Ignoram o que é a "tarimba". E a velha sentença de Garcia da Horta, já lá vão mais de cinco séculos: "A experiência é a verdadeira madre das coisas."
Neste caso dos calé do Flecheiro, funcionários municipais cheios de coragem, generosidade e boas intenções, asneiraram até mais não, convencidos de que estavam a fazer o melhor possível. Ainda hoje, alguns dos implicados sustentam que não havia nem há outras soluções, porque estão equivocados. Havia e há outras práticas e outras obras, algumas já testadas noutros países, e que a autarquia tomarense terá de vir a adotar, quando acabar o reinado dos que sabem tudo, os "sabões". Ou quando os problemas decorrentes das más soluções implementadas se agravarem de tal forma, que mudanças fundamentais e urgentes sejam necessárias. Até o Putin mudou o comandante das operações militares na Ucrânia, porque a guerra não está a correr como previsto.
A própria foto publicada acima, copiada do Tomar na rede, com a devida vénia, mostra, do lado esquerdo, algo muito problemático. Moram naquele bairro dezenas e dezenas de pessoas, que não têm ocupação laboral conhecida, e vivem do RSI. Devem dispor portanto de algum tempo livre. Mais do que suficiente para, por exemplo, cortar todas aquelas ervas secas que cercam o acampamento, quando a autarquia a isso os obrigar. Porque é preciso mais pragmatismo, mais coragem, mais "tarimba" e menos basófia académica. Os problemas com os ciganos tomarenses não se resolvem com o tempo. Vão-se agravando. Este episódio dos cães maltratados é apenas mais um sintoma.
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