sexta-feira, 18 de junho de 2021

 


O TEXTO ORIGINAL É EM FRANCÊS E FOI PUBLICADO NO JORNAL "LE MONDE" DE 18/06/2021, ÀS 03h07, (hora de Paris).
Artigo só para assinantes.
A tradução é de António Rebelo, (Universidade de Paris VIII)

ECONOMIA - TURISMO

Para a retoma, Paris sonha 
com um turismo local e duradouro

Clément Guillou

"O que virá primeiro? Um debate público sobre turismo? Ou os americanos de novo em Montmartre? Apesar da lenta retoma das viagens transatlânticas, a segunda hipótese é nesta altura a mais provável.
Os turistas quase desapareceram da região de Paris (Ile-de-France) nestes últimos quinze meses, lembrando assim pela ausência o impacto sobre a vida e a economia da cidade e da região, mas apesar disso a campanha eleitoral para as eleições regionais termina, sem que o tema tenha vindo à superfície.
O tema, que é de competência regional, quase não aparece nos programas dos candidatos que aspiram a dirigir a primeira região turística mundial. De resto, já na campanha para as eleições municipais aconteceu algo semelhante.
Tal é a herança de décadas de turismo espontâneo, cujas receitas aumentavam sem esforço, graças ao turismo de massa e apesar da evidente falta de simpatia dos empregados de café. Mesmo atingido por crises regulares, o turismo parisiense recuperava rapidamente, apoiando-se sobre os seus fundamentais: museus e monumentos icónicos, luxo e grandes armazéns, congressos e Eurdisney.
"Uma vez que Paris ainda não integrava o naipe de cidades vítimas do sobreturismo, julgava-se desnecessária uma reflexão sobre o tema, bastando o seu hipercentro de postal ilustrado, pensa Edith Flagoni, professora de geografia na Sorbonne Université. Mas a crise do covid 19 é um choque elétrico, que força todos os atores locais a interrogar-se sobre a questão da reinvenção do turismo nos territórios."
"Até agora, confirma Stéphane Durand, do gabinete de consultores Voltere by Egis, Paris considerava-se auto-suficiente, com o seu poder de  atração junto dos mercados longínquos e da clientela de negócios: mas outras crises virão e a resiliência surgirá de duas clientelas ainda pouco exploradas: os habitantes da região e as famílias europeias. A imagem de Paris deve por isso evoluir para a de um território mais vasto, no qual também há florestas e muito património fora das cidades."
A crise provocou  o aparecimento de novas práticas e tanto a cidade como a região pretendem inspirar-se nelas. Stéphane Durand, que liderou o diagnóstico preparatório para o novo Plano regional de turismo, observa que os habitantes da região da classe média alta podem tornar-se bons clientes: o turismo rural, o aluguer por temporada e os parques zoológicos funcionam muito bem. Graças a algumas estruturas de gama alta, encontraram o campo próximo de Paris, continuando entre si, como a ilha de Ré ou Le Touquet sem os engarrafamentos.
O acréscimo do teletrabalho, a bicicleta elétrica, a viatura autónoma, são outros tantos fatores que poderão levar os parisienses a praticar mais turismo rural na região, caso esta consiga finalmente valorizar o seu património monumental e natural fora de Paris.
Em Paris e na sua região,   a reflexão sobre as novas prioridades nessa área, segue o seu caminho. O debate sobre o turismo durável, previsto para 1 de Julho, marcará a vontade da cidade de reorientar a sua imagem e de moderar o impacto ambiental. A futura maioria eleita da região Ilha de França, por sua vez, tenciona redigir no próximo outono o "Esquema regional de desenvolvimento do turismo e dos lazeres" para o período 2022-2026. As duas coletividades -a Câmara de Paris e Região da Ilha de França- partilham as competências na área do turismo. A atração de Paris torna-a a força motriz, mas a gestão dos transportes cabe à região.
Este tipo de estudos separados também tem os seus inconvenientes, explica um responsável do turismo francês: "A promoção internacional é coordenada, mas o trabalho sobre a oferta e a visão global não são. Arriscamos assim que a região tenha tendência para reconquistar o turismo mais criador de valor, o turismo de negócios, um turismo "como antes", enquanto Paris vai procurar fazer as coisas de outro modo."
"O turismo de negócios é a minha prioridade de retoma, declara Christophe Decloux, diretor geral do Comité regional de turismo, cuja estratégia vai depender dos resultados das eleições regionais. Precisamos de clientes premium para conseguir retorno económico. A concorrência de outros destinos para atrair os grandes congressos, vai ser enorme."
Para Frédéric Hocquard, vereador do turismo da câmara de Paris, o caminho é outro. "Temos de construir um turismo duradouro e eco-responsável. Houve uma viragem ecológica nesta cidade, mas foram-se criando excepções, porque o turismo representa 10% do PIB e 13% do emprego parisiense. Agora estamos aflitos. Há que mudar."
Para Paris, as possibilidades de reduzir a pegada ecológica do seu turismo são bastante reduzidas, tendo em conta a importância do transporte aéreo nas emissões de CO2. A Câmara pretende reforçar a fiscalização dos autocarros turísticos estrangeiros, acusados de não respeitar as normas sociais e ambientais. bem como banir  os veículos diesel até 2024. Os autocarros de turismo poderiam ser dirigidos para a gare de Bercy, a partir da qual os turistas usariam outros modos de transporte menos poluentes. Pretende também a câmara desenvolver o transporte fluvial, solicitando à prefeitura o aumenta da velocidade permitida no Sena.
Está também em estudo uma oferta de bicicletas para uso dos turistas, tendo a câmara sugerido ao grupo hoteleiro Accor a ideia de uma frota de bicicletas para os clientes parisienses. "Pretendo  adequar o que se faz em Paris e a imagem que difundimos," insiste Frédéric Hocquart. "Porquê vender no estrangeiro a Torre Eiffel e o Louvre, quando no regresso os turistas vão ver as pistas cicláveis e as esplanadas?"
Este discurso voluntarista é mal recebido pelos responsáveis do grupo ADP e das Galerias Lafayette, cujo modelo económico assenta na clientela estrangeira mais longínqua e é julgado obsoleto pela câmara. "Já há fricções, admite o vereador do turismo. Mas é necessário que tanto o estado como os industriais do turismo compreendam que há muito dinheiro a ganhar."
Ao nomear Jean-François Vial presidente da comissão de Turismo de Paris, a presidente da câmara Anne Hidalgo enviou um sinal claro. O mediático patrão do grupo Voyageurs du Monde há trinta anos que luta contra o turismo de massa. Para a capital já estabeleceu objetivos: Repartir melhor os turistas no tempo e no espaço; abrir os museus à noite e até tarde; praticar a gestão de proximidade; melhorar o acolhimento, reinstalando os urinóis públicos, por exemplo; tornar as deslocações mais verdes, distribuindo aos turistas os passes Navigo (cartão válido para o conjunto dos transportes públicos em Paris e arredores); tornar Paris mais bonito, porque não se pode degradar o mito."
Proposta complexas para implementar, uma vez que implicam vencer a resistência dos vários atores. 
Sobre a orientação da sua política turística, o vereador Hocquard, concorda: "Paris é um colosso com pés de barro."

Clément Guillou
Tradução e adaptação de António Rebelo

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