Turistas junto à ponte do Rialto, em Veneza
A crónica a seguir traduzida, do LE MONDE online, de 01/06/2021, é longa e de leitura nem sempre fácil. Publica-se com a intenção de mostrar a eleitos locais "cegos" em economia política, que rejeitaram um plano local de desenvolvimento turístico que nem sequer conhecem, que o turismo está em constante evolução e exige adequado planeamento. Mas em Tomar devem estar convencidos que vão conseguir ultrapassar a crise que assola a cidade e o concelho graças ao improviso permanente, às ornamentações, aos eventos à borla, à censura encapotada, aos votos comprados e à propaganda disfarçada para iludir os eleitores.
DE VENEZA À NOVA ZELÂNDIA
A ESTREITA VIA PARA OUTRO TURISMO
"Vários destinos turísticos aproveitaram a paragem forçada devida à pandemia para tentar reconstruir uma prática mais durável, tornando secundário o crescimento."
Clément Guillou
"Key West, estação balnear da Flórida, na ponta meridional dos Estados Unidos, nada tem a priori contra o turismo. Em 2019, 1,2 milhões de cruzeiristas desembarcaram nesta pequena cidade de 25 mil habitantes.
Para agradar a estes turistas, Key West limita os lugares de estacionamento no centro, pinta as casas caribenhas, cuida da antiga residência de Ernest Wemingway, e tolera os artistas de rua nos cais, ao sol posto.
Graças aos turistas, a cidade regista uma das mais baixas percentagens de desemprego dos Estados Unidos. Apesar disso, quando os turistas deixaram de aparecer, na primavera de 2020, alguns habitantes de Key West reagiram de maneira inesperada. Solicitaram um referendo local sobre o futuro dos cruzeiros.
Meses depois, em Novembro do mesmo ano, mais de 60% dos votantes responderam "sim" ao limite diário de cruzeiristas e à proibição dos gigantes dos mares -mais de 1.300 pessoas bordo- bem como à prioridade aos navios menos poluentes.
As motivações foram antes de mais ambientais: a atracagem de grandes navios de cruzeiro danifica a barreira de coral, um dos principais atractivos do arquipélago das Keys. Mas o âmago da questão foi a economia. Após um ano sem cruzeiros, proibidos nos Estados Unidos por causa da pandemia, os balanços dos principais actores turísticos continuam a ser bastante satisfatórios. O apocalipse temido pela indústria do cruzeiro, caso houvesse alguma tentativa para limitar, afinal não aconteceu.
Foi uma das consequências do turismo em pausa. Da pequena estação de desportos de inverno nos Alpes a um dos países mais visitados do Mundo, a Tailândia, vários territórios aproveitaram para rever as políticas de desenvolvimento turístico. Como se o covid 19 tivesse servido de choque eléctrico e de encorajamento para agir sobre um fenómeno largamente julgado incontrolável.
EXCESSO TURÍSTICO E IMPACTO CLIMÁTICO
Por todo o lado, a preocupação imediata continua a ser, bem entendido, o regresso dos turistas, para recuperar uma parte da economia, fonte de empregos. Mas aqui e ali, o curto prazo não afasta as preocupações de médio e longo prazo. Como se o turismo, até agora fonte de dinheiro mágico, se tivesse finalmente mostrado aos poderes públicos em todas as suas dimensões.
"O turismo parecia evidente em toda a parte, diz Stéphane Durand, do gabinete
especializado Voltere by Egys. A pandemia revelou o impacto enorme sobre a economia da região de Paris, mas também sobre o próprio ambiente da cidade. Ao mesmo tempo, as colectividades públicas deram-se conta de que sofriam os impactos do turismo, que era preciso enfrentar."
O excesso de turismo, ou sobreturismo, e o efeito sobre o clima são os dois estigmas identificados com mais frequência. Quase sempre, os actores públicos preferem ignorar. Até agora. "Há uma tomada de consciência generalizada de que o turismo deve assumir a sua parte na redução do impacto carbono, e que deve resolver também os problemas contra os quais nunca há realmente vontade agir", conclui Stéphane Durand.
O exemplo dos barcos de cruzeiro em Veneza é o mais evidente. Desde há anos e anos, a indecisão política impedia o seu afastamento do canal da Giudecca, apesar dos riscos largamente documentados para a lagoa. Em Abril passado, a pedido do governo de Mario Dragui, o parlamento italiano votou finalmente a proibição temporária. A primeira etapa consistirá em desviar os navios para o porto industrial de Marghera. O desaparecimento temporário dos paquetes carregados de turistas e o aumento das preocupações ambientais, criaram as condições para a mudança.
AS ILHAS NA VANGUARDA DA MUDANÇA
Sem turistas, o dia a dia dos operadores públicos e privados de turismo mudou também radicalmente. Os primeiros tiveram tempo para pensar, uma vez que a pandemia impedia a acção. Os segundos tiveram que se fixar na busca de financiamentos, e frequentemente estender a mão ao Estado.
"Começa-se a assistir ao questionamento àcerca das bases a partir das quais se poderá ultrapassar este choque terrível. É ainda só o princípio, pensa Rémy Knafou, professor emérito de geografia da Sorbonne e autor de Reinventar o turismo (Editions du Faubourg, 2021, sem tradução portuguesa).
Islândia, Hawai, Nova Zelândia. Temos de nos voltar para as ilhas, cujo desenvolvimento turístico assenta nos recursos naturais, para encontrar os debates mais avançados. A questão da preservação da galinha dos ovos de ouro -a natureza- e os benefícios concretos para a população local, aparece em todo o lado. Na Tailândia, o ministro do ambiente encara o encerramento dos parques nacionais várias vezes por ano "para que a natureza se revitalize e os guardas possam assegurar uma manutenção capaz".
Na Nova Zelândia, um grupo de trabalho governamental recomenda que se oriente a política do turismo de forma a que se possam melhorar os ecosistemas, fornecer empregos com sentido, enriquecer as comunidades locais e respeitar a cultura maorie
Na Jamaica, o ministro do turismo quer convencer os operadores privados a fazerem do turismo "uma indústria mais inclusiva, cujos benefícios transitem realmente para o conjunto da economia."
IMPERATIVOS CONTRADITÓRIOS
Agir de forma a que os habitantes aceitem pacificamente o turismo, tornou-se uma preocupação política. Para a ultrapassar, há que evitar nomeadamente que a maior parte das despesas turísticas vá para as cadeias hoteleiras multinacionais, e tentar repartir da melhor forma o fluxo turístico no tempo e no território.
A este propósito, os progressos fulgurantes da digitalização da oferta, e o hábito de reservar via net, podem vir a ser as principais vantagens herdadas da pandemia. "Os destinos turísticos devem estar mais digitalizados e os actores melhor coordenados, com uma única aplicação para o conjunto do turismo citadino", afirma Doug Lansky, conferencista sobre questões de excesso de turismo. ""É paradoxal, mas para que uma cidade com excesso de turismo se torne autêntica apesar disso, e agradável para visitar, deve estar tão digitalizada como um parque Disney. Se tudo estiver conectado de maneira inteligente, como no parque Disney, então a cidade será menos parecida com um parque de atracções." "O problema, acrescenta Doug, é que as agências de viagens e os diversos operadores turísticos têm de tentar combinar dois imperativos contraditórios. Pedem-lhes uma boa gestão dos fluxos, mas ao mesmo tempo exigem que atraiam quanto mais visitantes melhor. E só o poder político tem os meios necessários para limitar a actividade dos operadores, cujo interesse imediato, após a pandemia, é voltar a ter receitas equivalentes às de 2019."
Historicamente, os governos têm tendência para deixar o planeamento turístico para os privados, com um mínimo de entraves. Em Key West, o resultado do referendo sobre o futuro dos cruzeiros não vai ser tido em conta. Os Republicanos da Flórida manobraram no parlamento estadual para impedir a sua promulgação. E o proprietário do porto de Key West tornou-se o mais generoso doador do governador Ron De Santis."
Clément Guillou
Tradução e adaptação de António Rebelo
Universidade de Paris VIII
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