quarta-feira, 4 de agosto de 2021

 



Património/Convento de Cristo

Resta capitular e render-se

Esta é uma crónica sem esperança. Apenas para que possa vir a ser lida dentro de 20 ou 30 anos. Fala da lavagem da Janela do capítulo, de ganância e de labregos diplomados.
A moda começou com o prestigiado André Malraux, escritor e ex-membro combatente das brigadas internacionais, durante a guerra civil espanhola (1936-39). Com o regresso do general De Gaulle ao poder, nos anos 60 do século passado, foi nomeado ministro da cultura, um cargo governamental novo, criado expressamente para ele.
Entre as suas primeiras decisões, avulta a ordem para limpar as fachadas de todos os edifícios públicos de prestígio, que bem precisavam. Devido ao aquecimento doméstico a carvão  e a gasóleo pesado ("mazout"), bem como às grandes indústrias queimando carvão de pedra, todas as fachadas em pedra talhada estavam de luto carregado (ver foto).
Os técnicos franceses de restauro e manutenção descobriram então um método rápido, barato e eficaz de limpar as fachadas em pedra: Um compressor, água e areia fina, projectada a alta pressão, com uma pequena percentagem de produto clorado, quando necessário.
Foi um tal sucesso, sobretudo para as empresas de restauro, que ganharam muito dinheiro em pouco tempo e com pouco trabalho, que depressa a moda da limpeza exterior dos monumentos atravessou a fronteira francesa. 
Em Portugal foi um fartote, como sempre que estão envolvidos fundos europeus. Até que na primeira década deste século rebentou um pequeno escândalo em Lisboa. A lavagem-limpeza do portal do Jerónimos danificou gravemente algumas imagens e outros detalhes.
Descobriu-se então a marosca, da qual a imprensa praticamente nunca falou. Embora conste do caderno de encargos de cada empreitada da agora DGPC, antes IGESPAR, antes IPPAR, antes IPPC, antes DGEMN, que a trabalho será feito manualmente e com extrema cautela, depois de vedarem cuidadosamente toda a zona da obra, de modo a ocultar o que alise passa, os empreiteiros mandam lavar tudo com jacto de água e areia, acrescido de uma ínfima percentagem de lixívia, quando julgam útil. E fica tudo limpinho num ápice.
É muito mais rápido e por isso muito mais barato, ficando as fachadas totalmente limpas logo ao primeiro banho. O pior vem depois. Além dos já mencionados estragos nos Jerónimos e, mais próximo de Tomar, no portal da igreja matriz da Atalaia, começa a lenta mas progressiva e irreversível degradação do calcáreo, uma vez removida a camada de vegetação micoscópica que antes o protegia das chuvas ácidas, provocadas pela poluição atmosférica.
O escândalo da primeira década deste século, forçou os aproveitadores do regime a absterem-se durante uns anos, até alcançarem o esquecimento. Ainda fizeram uns ensaios na parte nordeste do Coro manuelino do Convento de Cristo, mas ficaram-se por aí. Reputação, a quanto obrigas.
Agora, com a bazuca europeia, é novamente um fartar vilanagem, que o animal tem carne com fartura. O Convento de Cristo tem graves lacunas, como por exemplo, uma entrada à altura, dependências para guardar as bagagens dos visitantes, pórticos de controle, bilhética, circuitos de visita, instalações sanitárias, acesso para deficientes, inclusão do ex-Hospital Militar e da Alcáçova do castelo nos circuitos de visita,  visitas guiadas, etc. etc. Para se ter uma ideia mais precisa das carências que por ali vão, basta citar um detalhe. Dez anos após o tornado, continuam por reparar os estragos causados pelo mesmo no coro alto. Porquê? Porque a sua reparação, ao ser bastante morosa e com muita mão de obra especializada, não permite muito lucro em pouco tempo.
Com tanta carência, a DGPC resolveu lançar um concurso público limitado para a limpeza exterior das fachadas e do telhado da igreja e do coro manuelino. Inclui a  lavagem do Portal da Virgem e da sua excepcional patine de cinco séculos? Inclui a reparação do coroamento da fachada sul do coro manuelino, derrubado pelo tornado de há dez anos? Inclui a reposição das estatuetas na Janela do capítulo? Creio que ninguém sabe com precisão. É o reino do logo se vê.
Certa é apenas a limpeza da fachada exterior do coro manuelino, incluindo a Janela do capítulo. Com todas as cautelas possíveis e todas as garantias necessárias. Como sempre. Mas se tudo for bem escondido com andaimes e respectivas cortinas, se por acaso alguém vir por lá um compressor, já sabem: será mais um crime contra o património, a coberto de cuidada e cara manutenção.
Noutro enquadramento, valeria a pena alertar e procurar mobilizar a opinião pública, no sentido de anular a prevista em empreitada. Em Tomar é tempo perdido. A Câmara sempre esteve e está-se nas tintas para o Convento. A única coisa que reivindica é uma percentagem das receitas. Os partidos políticos andam ocupadíssimos com as próximas autárquicas. Os tomarenses em geral, quando lhes falam do Convento de Cristo, dizem que é para o lado que dormem melhor, "porque aquilo é só pedras".
Fui baptizado na igreja de S. João Baptista, nos idos de 1941. É uma cruz que venho carregando desde então.

4 comentários:

  1. Vamos ver o que podemos fazer para sslvaguarda de algo precioso

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  2. Boa noite Prof. António Rebelo.
    Foi meu professor de francês há vários anos atrás, em Tomar, e foi sem dúvida uma inspiração para atualmente ser também professora.
    Escrevia poesia que era publicada no jornal da cidade. Não sei se se lembra de mim.
    Cumprimentos e muitas felicidades!

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    1. Lembro sim senhora. E com muitas saudades desse tempo. Célia é um nome tomarense que não se esquece. Votos de boa saúde e boa disposição, que bem precisas são na profissão que escolheste.

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  3. Dei uma olhada no processo de concurso, e a intervenção é abrangente (no corpo da Igreja essencialmente, mas vi a correr).
    Está disponível aqui https://www.anogov.com/op-dgcp/faces/app/dashboard.jsp#

    E sim, para todos aquilo é só pedras e irá continuar a ser

    Em Sintra a gestão do património foi profissionalizada (Parques de Sintra - Monte da Lua SA) com seus problemas mas também virtudes , em especial porque se concentra numa única empresa vários acionistas (Estado/IGF, CM Sintra, Turismo Portugal.. e ICNF)

    Em Tomar temos o problema de não haver a VONTADE de se integrar Convento, Castelo,Ermida, Aqueduto (desde as nascentes), Mata N Sete Montes (e demais património , exhospital militar). Atualmente a gestão é DGPC (Convento+Castelo), Aqueduto (troço Pegões DGPC, o resto supostamente seria CM Tomar, mas ninguem sabe nem quer saber), ICNF (Mata), exHospital (proprietario desaparecido em combate)

    Enquanto não for tratado como um só "monumento", e depois em rede com seus "irmãos" de Alcobaça, Batalha e outros , com as ferramentas possíveis a uma empresa privada de capitais públicos.. o turismo possivel será sempre o do 'picar o bilhete' e contar os tostões para pintar as paredes, até um dia em que a visita só será virtual porque "pedimos desculpa, mas não existem condições de segurança.."


    Nota final- o potencial (e o degredo actual) do complexo é avassalador - ver esta foto do ano passado do G Street View:

    https://www.google.com/maps/@39.602391,-8.420367,3a,72y,57.13h,61.75t/data=!3m8!1e1!3m6!1sAF1QipPeADzZMHaPCaIC-_GQIIzCfUYgSg-r_8NuH7xq!2e10!3e11!6shttps:%2F%2Flh5.googleusercontent.com%2Fp%2FAF1QipPeADzZMHaPCaIC-_GQIIzCfUYgSg-r_8NuH7xq%3Dw203-h100-k-no-pi-0-ya65.04887-ro-0-fo100!7i12000!8i6000?hl=pt-BR

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