sábado, 25 de fevereiro de 2023


Foge cão que te fazem barão!

No próximo aniversário da cidade, a 1 de Março, terá lugar no Cine-teatro paraíso mais uma cerimónia de homenagem a cidadãos e instituições. Trata-se de uma prática bem antiga, que já vem da antiguidade clássica, com a conhecida outorga das coroas de louros.
Tratava-se então de homenagear os heróis, aqueles que por feitos notáveis se tornam imortais, como referiu Camões há quinhentos anos: « Aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando ». Mais perto de nós, o odiado regime deposto sempre honrou os seus heróis da guerra em África, em 10 de Junho, dia de Portugal, atribuindo medalhas de valor, muitas vezes a título póstumo, com as viúvas substituindo os sacrificados em prol do regime.
Antes já houvera um desvio à tradição, ao atribuírem-se condecorações e títulos nobiliários a pessoas que afinal nada de notável tinham feito, a não ser cair nas boas graças de quem manda. Foi o que aconteceu nomeadamente no Brasil do século XIX, com a atribuição muito exagerada de títulos de nobreza. A tal ponto que chegou até nós a crítica implícita mas feroz, de Almeida Garrett: « -Foge cão, que te fazem barão! -E para onde, se me fazem visconde?! »
Nos nossos dias, é uma prática de tal forma comum que até semanários de província, como O Mirante, atribuem anualmente prémios de homenagem. Trata-se afinal de uma prática não muito cara, que permite aumentar o número de leitores, e até conseguir mais votos, como acontece com os Municípios.
Há mesmo uma outra dimensão, como a atribuição dos óscares disto e daquilo, por exemplo, em que os prémios, homenagens ou condecorações são afinal comprados. É o caso dos óscares do turismo, por exemplo.
O único problema aparece nos meios pequenos, onde forçosamente a escolha dos contemplados se torna cada vez mais problemática, o que obrigou a descambar. Passou-se dos heróis para os comuns mortais, sem nada de extraordinário a premiar. É o caso de Tomar, em que a autarquia passou a condecorar não por mérito mas por simples antiguidade. Funcionários municipais recebem diplomas ao completarem 25 ou 35 anos de emprego, sem qualquer menção de desempenho fora do comum.
Outro tanto acontece com as empresas e instituições locais com mais de 50 anos, que também têm direito cada uma à sua medalha. Porquê? Por antiguidade. Para quê? Para a maioria PS poder demonstrar que está reconhecida por « não fazerem ondas » nem levantarem problemas. Fica sempre bem condecorar o salão de cabeleireiro da senhora presidente, ou a barbearia do senhor presidente.
Há outro óbice. Mesmo tendo alargado, até ao limite do possível, os critérios de atribuição de diplomas e medalhas, em Tomar pelo menos, há sérios riscos de em 2024 restarem apenas para medalhar os ciganos e os vendedores no mercado, que nalguns casos são os mesmos, e em 2025 os próprios eleitos, a condecorarem-se mutuamente, com grandes abraços de congratulação. O PS agradecendo a exemplar colaboração do PSD; os social-democratas reconhecendo a abertura, a transparência e as boas maneiras dos socialistas.
Em conclusão, um diploma ou uma medalha, valem o que vale quem os atribuiu. Como escreveu Lincoln, presidente dos Estados Unidos, « Podem-se enganar alguns durante um certo tempo, mas não é possível enganar todos para sempre. »

Post-scriptum

Já estou daqui a ouvir os amáveis comentários do tipo «o gajo escreveu aquilo porque nunca ninguém se lembrou dele.» Estão enganados na relação causal, como habitualmente, pois escrevi apenas para manter a cabeça ocupada, mas têm razão no restante. Até hoje, sempre consegui evitar homenagens, salvo durante a guerra em Angola, mas isso é outra história, eventualmente para outra altura.
Em Tomar, apesar do que fiz em prol da cidade, e que posso documentar onde convier, nunca me ofereceram medalhas ou diplomas, nem desejo que o façam,  « por ter a língua demasiado comprida ». Ou terá sido por não conseguir renunciar à liberdade de opinião, e por temerem que eu recuse publicamente, explicando porquê?

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