Política local
MENTALIDADES DE OUTRO TEMPO
António Rebelo
Antes do 25 de Abril, um conhecido jornalista local, também chefe de redacção de um semanário, dizia muitas vezes aos candidatos a cronistas: -Não posso publicar isto. Se publicasse, com que cara ia eu depois entrar e sentar-me no Café paraíso?!
Quando, pelo contrário, as coisas lhe corriam de feição, com colaboração gratuita apoiando o deposto regime, o mesmo chefe de redacção gabava-se em pleno Café paraíso: -Muita colaboração, muitos temas, e não chocam!
Já passou mais de meio século, o citado chefe de redacção já faleceu há muito, o regime autoritário finou-se em Abril de 74 e o café Paraíso já não é o que era em termos de clientela. Apesar disso, a mentalidade tacanha do choca e não choca nunca esteve tão presente em Tomar. Chegam-me ecos de que a minha crónica A bandalheira autárquica tomarense desagradou e chocou muita gente. Não sei porquê. Como diriam os nossos vizinhos espanhóis, no hay para tanto.
Uma vez que a prosa em questão não contém falsidades, não cita nomes. e por isso não insulta ninguém, de onde provém o tal choque? Penso que de uma mentalidade que já não se usa, e torna quem a tem demasiado susceptível à crítica para se sentir bem em democracia. Faço-me entender?
Disse-o no próprio escrito inicial. Bandalheira é um termo pesado, que pode realmente chocar. Mas essa foi exactamente a minha intenção. Causar choque, não para ofender, mas simplesmente para chamar a atenção. Se calhar acertei no alvo demasiado em cheio. Daí o choque.
Nada tenho, enquanto conterrâneos, contra os 7 membros do executivo, os membros da AM, ou os técnicos superiores da autarquia. São todos pessoas de igual dignidade à partida, dialogantes, simpáticos, amigos dos seus amigos, boas mães e bons pais. Por isso nunca os critiquei enquanto tais, e jamais o farei.
Infelizmente, quando se aborda a outra vertente, a de detentores de poder, e de funcionários municipais, respectivamente, o panorama é outro. Até porque, quer lhes agrade ou não, estão sujeitos ao escrutínio permanente dos cidadãos. E dessa liberdade de escrutinar e denunciar não abdico.
Os actuais membros do executivo, tanto da maioria como da oposição, já demonstraram bastas vezes que não têm qualquer ideia estruturada sobre o futuro de Tomar. Basta ouvi-los com atenção.
Interessam-lhes apenas os fins de mês, as outras mordomias, o poder pelo poder, bem como tudo o que possa contribuir para o manterem. Vão despachando os assuntos correntes em boa harmonia e depois logo se vê. É a chamada política do improviso, do caso a caso.
Outro tanto se pode dizer dos sentados na AM, cujas sessões chegam por vezes a ser confundidas com velórios e as respectivas intervenções com elogios fúnebres, tal é o tom geral dos dircursos..
Já o caso dos técnicos superiores da autarquia é bem diferente. Há-os competentes, trabalhadores e empenhados no bem comum. Mas infelizmente há outros que esquecem o seu estatuto de servidores públicos, consideram-se coproprietários da autarquia e, sabendo que vão ficar impunes, vão semeando asneiras a um ritmo cada vez mais preocupante. O caso do quiosque da Várzea grande é só o mais recente.
Foi essa vertente operacional de uns e de outros que procurei denunciar no meu escrito. Para que tenham consciência de que, num meio pequeno como Tomar, tudo acaba por se saber, mais tarde ou mais cedo. Não adianta portanto alardear ressentimentos sem justificação, porque, mesmo os fiéis servidores de Salazar e Caetano, um regime que durou 48 longos anos, acabaram por padecer um bocado após a reviravolta de Abril de 74.
Agora que os mandatos são de quatro anos, paira sempre a hipótese de uma viragem, com eleitos mais firmes, menos influenciáveis e menos condescendentes com certas práticas, que só nos envergonham como comunidade concelhia.
Assim sendo, parece-me que o indicado será, para uns e outros, passarem a chocar-se menos e a agir melhor, em prol dos tomarenses todos. Porque não tenho qualquer intenção de me calar, ou sequer de moderar a minha escrita, enquanto a saúde o permitir. E os eleitores não vão continuar iludidos durante muito mais anos.
Dito de outro modo, do alto dos meus 80 anos bem vividos: Se não impressiono, tão pouco me impressionam. Em geral, falta passado e estatuto aos que ficam chocados com pouca coisa.
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