Tradução do jornal LE MONDE
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Carta de Nova Iorque
Arnaut Leparmentier
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NEGOCIAÇÕES ENTRE O SEGURO E O HOSPITAL
Do ponto de vista médico, tudo é perfeito. O Hospital Monte Sinai, fundado por judeus pobres no século XIX é um dos melhores de Manhattan. Após três horas de microcirurgia estou de novo capaz, e deram-me alta no dia seguinte, ao meio-dia. Mas em cada etapa falou-se de dinheiro. O seguro paga o transporte de regresso a casa? Não, mas explico que posso desenrascar-me com um taxi. A minha interlocutora não concorda, inquieta por me ver partir sozinho. -"Não tem importância, vou incluir o transporte no orçamento do nosso serviço."
Uma vez regressado a casa, o seguro tornou-se bruscamente muito atencioso. Uma amável representante contactou-me duas vezes, para saber qual o meu estado de saúde, as minhas melhoras, interrogar-me sobre os medicamentos (reembolsados quase integralmente), e sobre os massagistas especializados, que vieram ver-me por três vezes. Respondo-lhe sem compreender porque motivo uma desconhecida, que nem é minha médica, me solicita tantos detalhes sobre a minha saúde.
Aproveito para perguntar qual será a factura máxima que terei de pagar: 3.500 dólares. Fico descansado, pois é uma soma razoável para os usuais custos americanos. Em 2021, o tecto máximo anual a pagar por um doente com seguro, fixado pelo governo federal, ia até 8.550 dólares para uma pessoa só, e 16.300 dólares para uma família. Era em média de 1.360 dólares, segundo a Kaiser Family Foundation. Saio assim deste curioso período de cegueira, durante o qual assinei em cada exame clínico uma nota comprometendo-me a pagar a factura final, sem ter a mínima ideia de quanto poderia vir a ser.
Quatro meses mais tarde, no outono de 2020, recebi uma factura do hospital, solicitando o pagamento de 750 dólares pela intervenção cirúrgica. Constato então que a negociação do hospital com o seguro levou a uma redução do custo total, que caiu de 62.174 a 31.110 dólares. Porquê? Como? Não sei. Mas é a habitual prática da negociação. Tudo está bem quando acaba bem.
AS INCONGRUÊNCIAS DO SISTEMA
Era não contar com a factura suplementar do cirurgião. Em meados de Outubro de 2020, o seu serviço de contabilidade explica-me por mail ter recebido "muito pouco" do seguro pela minha operação. E junta uma factura de 43.970 dólares, dos quais o seguro só liquidou até então 2.311 dólares. Resumindo, uma diferença de 41.659 dólares, não coberta pelo tecto de 3.500 dólares do seguro.
Fui vítima das incongruências do sistema americano. O médico generalista estava incluindo no seguro, a rede hospitalar também, os especialistas da ciática igualmente mas, ao atravessar o corredor do hospital, para entrar no consultório do cirurgião, deixei de estar coberto pela rede do seguro. O cirurgião até me tinha informado sobre o provável problema, mas acrescentara, por meias palavras, que, em caso de catástrofe, renunciaria aos seus honorários.
Para tentar ultrapassar o problema, decidiu-se recorrer à legislação protectora do Estado de Nova Iorque, que adoptou uma lei sobre as "facturas-surpresas- desagradáveis", em princípio para resolver casos destes. Tal como na véspera da operação, cabe-me de novo apresentar à companhia de seguros o indispensável recurso. Teleguiado pelos serviços do cirurgião. preencho um requerimento oficial a enviar por fax, porque no país da alta tecnologia, os seguros e os hospitais continuam a trabalhar com telecopiadores.
Constatando que tudo continua na mesma, a pedido do Monte Sinai resolvo recorrer ao telefone. Durante semanas, nada. Finalmente, no inverno de 2021, verificando as contas do seguro, reparo num movimento de 20.000 dólares. Informo-me junto dos serviços do cirurgião, que me enviam em 12 de Março o seguinte email: "Bom dia Arnaud. O recurso perante a companhia de seguros foi aceite e dele resultou um pagamento suplementar de 19,173, 83 dólares. O consultório do cirurgião ficou satisfeito com este montante e o saldo restante foi anulado, passou a zero. Desejamos um bom fim de semana."
Ninguém me tinha avisado. Nove meses após a operação, já não devo nada. Finalmente.
Arnaud Leparmentier (Nova Iorque, correspondente)
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