quarta-feira, 14 de abril de 2021

 









Obras municipais e prioridades


DESPAUTÉRIO CAMARÁRIO E ORNAMENTAÇÃO

António Rebelo

Não são caso único. Apenas representantes de uma sociedade que a certa altura, a partir de 1975 sobretudo, foi perdendo referências, não sabendo agora muitos dos seus integrantes a que se agarrar ou, noutros termos, a que santos rezar. Refiro-me aos actuais sete membros do executivo municipal tomarense. Tudo boa gente, com particular incidência nos quatro da maioria. Muito mais arrogantes por isso mesmo, embora uns mais do que outros. Por causa da maioria absoluta.
Alinhados em quase tudo, conforme a experiência vem demonstrando, dois traços de carácter os identificam sem margem para dúvidas. São alérgicos à crítica e portanto particularmente susceptíveis. Falta-lhes qualquer vislumbre de abertura de espírito, ou sequer de empatia. Gente auto-centrada, para não dizer autista.
Claro que vão imediatamente desmentir, ripostando que quem os critica é que é um bandalho, ou coisa ainda pior. Mas todos sabemos bem que jamais um membro da actual maioria reconheceu em público que se enganou, ou que determinada crítica foi justificada. Era bom era! Nesse aspecto, são como disse uma vez Cavaco Silva: "Nunca me engano e raramente tenho dúvidas". Os actuais membros do executivo nabantino nem dúvidas chegam a ter. Pior ainda, nunca concedem  seja a quem for, o benefício da dúvida.
Tudo isto como abertura para o despautério que por aí vai na área das obras municipais. Na Várzea grande, o mais importante em termos práticos eram o estacionamento e os sanitários. Aquele foi arranjado à pressa e um pouco mais longe. Dos sanitários ainda estamos à espera. Faziam parte do projecto contratado, mas dele foram retirados. Sem explicações. Apesar disso, não consta que a autarquia já tenha recuperado alguma verba do empreiteiro, proveniente de "trabalhos a menos". Embora já tenha votado e pago "trabalhos a mais". Curioso.
Na Av. Nun'Álvares, o mais importante era o estacionamento e a rotunda da ARAL. Terminadas as obras, há agora menos lugares para estacionar (alguns bem acanhados), e quanto à rotunda, temos de aguardar melhores dias. E outra maioria.
Anuncia agora Anabela Freitas obras na igreja de S. João e na igreja de S. Francisco. A que propósito? Tanto uma como outra são propriedade do Estado, tuteladas pela DGPC. Incumbe por isso ao governo, e não à autarquia, o seu restauro e manutenção. Tal como acontece com o Convento de Cristo, ou Santa Maria dos Olivais.
Em paralelo, quando confrontada com a lástima das estradas de Paialvo e de Carvalhos de Figueiredo, por exemplo, a  mesma srª presidente que arranja dinheiro para obras nas igrejas, chuta logo para canto: -"Essas estradas são do Estado". É claro que são. Tal como S. João e S. Francisco. Mas a estrada de Coimbra e a de Leiria também são, e foram intervencionadas pela câmara, no tempo de António Paiva, dispondo desde então de passeios para peões.
Os tomarenses terão os seus defeitos, como todos os humanos. Mas não são inteiramente desprovidos. Notarão decerto que, a julgar pelas prioridades camarárias no que concerne a obras, os paroquianos que vão à missa a S. João ou S. Francisco, valem mais que os paroquianos frequentadores da capela de Carvalhos Figueiredo, da igreja de Santa Cita, ou da de Cem Soldos. É a velha história de Orwell: são todos iguais perante Deus, mas para a câmara há uns mais iguais que outros.
O mesmo acontece com os residentes naquele quadrado Rua da Graça-Rua do Pé da Costa-Rua Nova-Rua Direita, que continuam a despejar para esgotos da idade média, sem qualquer tratamento posterior, apesar de o pagarem. Porque não há dinheiro para a respectiva obra de requalificação, informa  a Tejo Ambiente, presidida por Anabela Freitas.  Que entretanto anunciou 6,7 milhões de obras noutros locais do concelho. Os habitantes de uma parte do centro histórico, ali à ilharga da câmara, que se lixem! Há uns mais iguais que outros.
Temos assim uma curiosa situação. A União Europeia, que é laica, financia a fundo perdido obras nos templos cristãos-católicos de S. João e S. Francisco, para os fiéis estarem mais confortáveis durante as eucaristias, mas não avança verbas para a actualização do saneamento básico numa área urbana logo ao lado, porque a srª presidente da Câmara e da Tejo Ambiente nunca o pediu.
No tempo triste e soturno do Salazar, o lema da administração pública era "Tudo pela nação, nada contra a nação." O que daria nesta caso "Tudo por Tomar, nada contra Tomar"Parece-me que, em vez disso,  Anabela Freitas adoptou implicitamente um lema parecido "Tudo pela ornamentação, nada contra a ornamentação".
Mas como é evidente, depois de tudo isto, e o mais que fica em reserva, quando se fala de despautério camarário, é-se acusado de tudo e não sei que mais, dito de forma condescendente. Gente séria, competente, humilde, franca, trabalhadora e fraterna, isso era noutros tempos. Agora tudo melhorou, conforme se vê, mesmo sem auxiliares de visão.

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