sábado, 3 de abril de 2021

 A BANDALHEIRA AUTÁRQUICA TOMARENSE


António Rebelo

Constando que sou agreste, mais vale aproveitar, pois não adianta desmentir. Tomarenses são em geral casmurros. Aproveito portanto para encabeçar com um título algo chocante, mas por isso mesmo muito apelativo. O pagode gosta é de peixeiradas e outras cenas de faca e alguidar. Vamos a elas.
Fiquei indignado ao ler, já por duas vezes, que cidadãos esperam em pé, à chuva ou ao sol, e sem respeitarem a distância recomendada, para serem vacinados, no Pavilhão Municipal Jácome Ratton. O pavilhão é também sede gratuita de um clube desportivo da cidade, e dispõe de bancadas. Porque razão os deixam no exterior, se até há lugares sentados no interior? No mínimo é falta de respeito pelos semelhantes, que assim são tratados como inferiores.
Estava nisto, perguntando-me como é possível desprezar assim a população, num país europeu que recebe milhões e mais milhões de euros da União europeia, para melhorar as condições de vida da sua população. Com a característica mansidão portuguesa e tomarense, lá fui elencando desculpas para tão lamentável situação. Alguém se enganou, houve um descuido, os funcionários perceberam mal as ordens que lhes foram transmitidas, etc. etc.
Foi então que ocorreu uma sinapse na minha pobre cabeça. 
No nordeste do Brasil, onde estou a escrever, que é a zona mais pobre e menos desenvolvida do país, bastou-me seguir as indicações das autoridades, transmitidas via net, televisão, rádio e jornais: "Para se vacinar faça seu cadastro".
Já cadastrado, que é como quem diz inscrito, em português de Portugal, vieram duas meninas de bata branca ao meu apartamento, pediram um documento com o meu nome e fotografia, e já está. Deram-me a primeira dose de Coronavac. Quinze dias depois vieram outras duas e injetaram a segunda doze, deixando o respectivo cartão de vacinação, com os dados actualizados. Tudo gratuito. 
Isto num país do 3º mundo, com uma situação pandémica muito grave, que não recebe ajudas europeias a fundo perdido, e onde nem sequer  pago Imposto de Renda, o equivalente do nosso querido IRS, por não auferir rendimentos aqui.
Agora façam o favor de comparar com Tomar, e com o país em geral, para apurar onde é que as coisas vão de mal a pior. Apesar de, como bem sabemos, o Bolsonaro ser de extrema-direita e, pior do que isso, manifestamente pouco hábil.
Ligado ao escândalo das vacinas em Tomar, que revela gritante falta de adequado planeamento, está o escândalo do quiosque da Várzea grande. 
Escândalo?! Sim. Escândalo e dos grandes. Estão a ser gastos milhares de euros dos nossos impostos, numa coisa que, mesmo que viesse a aparecer algum investidor mais palonço e menos cauto, não teria qualquer viabilidade económica. (Ver o meu texto anterior Mais uma fantasia autárquica).
Pior ainda. Mostrando o estado de bandalheira administrativa a que já se chegou nalguns sectores da Câmara de Tomar,  consta do artigo 3º, ponto 2, do Regulamento da hasta pública, que o rendeiro do quiosque (se aparecer algum) poderá instalar uma esplanada de 15 metros quadrados.
Uma vez que aquilo não dispõe de instalações sanitárias próprias, que são obrigatórias por lei, uma de três:
1 - Quando o incauto rendeiro (se houver) quiser instalar a esplanada, os capatazes técnicos da autarquia vão-lhe exigir que faça e pague uns sanitários públicos anexos ao quiosque. E teremos um novo caso da Estalagem.
2 - Numa rara demonstração de boa vontade interesseira, os mesmos capatazes vão dizer ao rendeiro que bastará alugar em permanência dois daqueles sanitários amovíveis em plástico, um para as senhoras, outro para os cavalheiros, e mandar colocá-los nas proximidades do quiosque, o que aumentará as despesas permanentes, arruinando a estética local.
3 - Residentes e/ou turistas sentam-se na esplanada, comem e bebem e depois vão urinar/defecar/lavar as mãos/desinfectar, nos estabelecimentos privados vizinhos. Ou junto à parede lateral da igreja de S. Francisco, para desenrascar.
Até já estou a ver a futura publicidade agressiva do rendeiro do quiosque:  "Coma e beba à sua vontade aqui. Vá aliviar-se acolá!"
Se isto não é a bandalheira administrativa na autarquia tomarense, se não é evidente sinal de falta de envergadura e de liderança de alguns eleitos e técnicos superiores, se não é falta de adequado planeamento, então é o quê? Com a hasta pública já lançada, ainda não se tinham dado conta de que faltam os indispensáveis sanitários? Agora que já é público, estão à espera de quê, para anular o procedimento?
Emendar erros não é sinal de fraqueza. É prova de inteligência.

ADENDA
Para os leitores eventualmente  agoniados com a palavra BANDALHEIRA, embora não os incomodem os sucessivos erros da estrutura autárquica, transcreve-se o que consta no Dicionário Priberam da língua portuguesa, consultável na Net: Bandalheira/bandalhice = Situação de grande desordem, ou de derespeito de regras, leis, princípios ou ordens.

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