Ocorrências tomarenses
PENICOS PENDURADOS NAS ROTUNDAS
António Rebelo
Noticiou o blogue Tomar na rede que apareceram penicos e piaçabas pendurados em duas rotundas nabantinas. O caso é tão insólito na demasiado pacata Tomar, que o próprio administrador do blogue pede aos seus leitores que esclareçam. Eis a minha humilde contribuição, uma vez que mais ninguém se chegou ainda à frente. O costume, quando se trata de ajudar, de esclarecer, de informar, de criticar. Vai lá tu que agora estou muito ocupado. A escrita é, para muitos, uma maçada, uma dificuldade e uma ratoeira. Infelizmente.
A mais de sete mil quilómetros de Tomar, e com as ligações aéreas suspensas por tempo indeterminado, é claro que não fui eu o autor da brincadeira. Que deve ter custado uns bons patacos Tão pouco a influenciei, como pode ser testemunhado pelos poucos contactos que mantenho na cidade. Resta-me assim pedir aos leitores o favor de não confundirem, no texto que segue, coprofilia, com coprologia, ou esta com coprografia. Trata-se só de coprografia para descrever um acto de pericoprofilia
Assim livre de culpa, espero eu, perante os mais desconfiados e toscos inquisidores locais (que são muitos), passo a tentar dissertar sobre o assunto. Penicos e piaçabas para sanita levam imediatamente a pensar em excrementos humanos, mais precisamente em excrementos sólidos. Defecação, vulgo merda, pois a urina não precisa de piaçaba para a sua remoção. Parece haver portanto uma relação entre a original iniciativa e o vocábulo merda, no seu sentido polissémico. (Se não percebem, façam o favor de consultar o dicionário na net. Basta teclar "significado de polissémico" e buscar no google.)
É conhecida entre os francófonos a anedota política belga que usa a merda como matéria prima. Eram dois cidadãos belgas que discutiam política num café em Bruxelas. Um deles, após enumerar tudo o que lhe parecia estar mal e ter tendência para piorar, rematou assim: "Em resumo, parece-me que ainda vamos ter de comer muita merda". Ao que o outro respondeu "E o pior é que não sei se haverá merda que chegue para todos!"
Ao contrário do belga da blague, quem pendurou os penicos mostra pensar exatamente o oposto: Manifestação exagerada? Não me parece. Bem pelo contrário. Ao que me consta, são cada vez mais frequentes as declarações locais que incluem o vocábulo merda, com o significado muito alargado de algo que não presta ou não está bem.
Fala-se de um conhecido estabelecimento de ensino superior local e a resposta vem logo: "Ó pá! Aquilo tá uma merda". Se o assunto é a autarquia ou a política local, a resposta é seca: "É tudo a mesma merda!" Referindo a campanha de vacinação em curso, ouve-se dizer que é uma "organização de merda". Na área da informação local, a opinião dominante parece ser "jornalismo de merda. Tão todos vendidos."
Até os sucessivos eventos da vereadora sempre em festa, salvo uma ou outra excepção, foram "concertos de merda". E os próprios políticos locais "são todos uma merda". Nem os escritos deste vosso conterrâneo maldito escapam. São sempre "críticas de merda".
Assim sendo, ou pelo menos assim constando, não surpreende que, perante tanta merda em toda a cidade, alguém eventualmente forasteiro tenha resolvido ser caridoso: "É tanta a merda por toda a cidade, que não deve haver penicos que cheguem para a recolher. Por conseguinte, tomem lá mais este material que, não sendo suficiente, pelo menos ajuda a evitar por agora um afogamento no pântano dos próprios excrementos".
Este processo redutor, em que pouco e poucos escapam da merda, é no fundo um recurso linguístico precioso, numa comunidade com visíveis problemas relacionados com a massa cinzenta. Dispensa aprofundamentos e pode maltratar a verdade, sem disso dar sinais óbvios. É portanto o refúgio dos pacóvios com pretensões eruditas.
Haverá outras interpretações possíveis, tão plausíveis quanto esta. Por exemplo uma paródia às obras ornamentais da câmara. Mas pareceu-me por agora suficiente, para que conste onde convier, salvo melhor e mais fundamentada opinião.
"De merda", está-se mesmo a ver.
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