terça-feira, 6 de abril de 2021

 Habitação e urbanismo


AS MALEITAS DO VELHO BAIRRO SALAZAR

António Rebelo

Teve pouca leitura a notícia recente sobre o velho Bairro Salazar, renomeado 1º de Maio pouco depois do 25 de Abril: https://tomarnarede.pt/sociedade/casa-arrombada-no-bairro-1o-de-maio/ Mereceu apenas dois comentários. Um para culpar os ciganos, sem provas, outro para recomendar uma porta mais resistente. Uma pena, porque o incidente faculta excelente ocasião para apurar as respectivas causas e avançar soluções.
A manha de renomear as coisas, para se apropriar de obras feitas por outros, é bem velha. Já se usava no antigo Egipto, há 50 séculos, com o faraó sucessor a mandar retirar os cartuchos com o hieróglifo do antecessor, e colocar o seu. No caso do bairro, o resultado é que agora os cidadãos mais jovens pensam que se trata de obra posterior ao 25 de Abril, quando afinal data do salazarismo de 1949.
Em sete décadas muita coisa mudou, mas no bairro 1º de Maio está quase tudo na mesma. Casas mal divididas e mal equipadas, quintais ocupados ilegalmente, construções clandestinas insalubres e com problemas estruturais, rendas por pagar, gente que já não devia lá estar e outra que nunca devia para lá ter ido, má vizinhança, vandalismo, negócios pouco claros, a tudo a câmara tem fechado os olhos. É o hábito. E as maleitas do bairro são cada vez mais graves.
Só esta maioria PS é que resolveu recuperar alguns alojamentos, sobretudo para realojar a comunidade cigana do Flecheiro. Essas requalificações, bastante onerosas, mas mesmo assim aquém dos 480 mil euros que custou cada alojamento social recuperado pela câmara de Lisboa, podem considerar-se obra útil, porém inadequada.
Apesar de a câmara ter mandado publicar há pouco tempo uma longa notícia, na qual se falava de milhões a investir na habitação, e de alojamento condigno para 200 famílias, manda o bom senso reconhecer a situação de facto. Trata-se de simples propaganda eleitoral, pois não há em Tomar qualquer crise habitacional. Nem podia haver. Não há condições para isso.
Está à vista de todos os que não sejam invisuais que, desde há pelo menos uma década, deixou de haver pressão demográfica em Tomar, infelizmente substituída pelo seu contrário -a carência demográfica- com uma perda de quase 4 mil eleitores nos últimos 8 anos.
Em tal contexto, falar de crise habitacional é pura fantasia. Há, isso sim, prédios e mais prédios devolutos e/ou arruinados, nomeadamente na Rua de Leiria, na estrada de Coimbra, junto à estação da CP, e por aí adiante, bem como construções modernas por acabar, junto à escola Jácome Ratton. Além disso, deixou praticamente de haver  em Tomar construção de habitações para venda e/ou arrendamento.
Numa situação assim, parece de elementar prudência aproveitar para por um lado apurar as causas da grave crise, e por outro planear adequadamente o futuro. Para mandar fazer projectos consentâneos com os novos tempos.
No caso do velho bairro Salazar, delinear a sua substituição total, duplicando a capacidade habitacional existente, mediante a construção, nos quintais a desocupar, de três barras de imóveis assentes em pilotis e com 3 pisos, sendo o térreo para garagem. O que evitará barracas de cão, toldos, abrigos de lata, etc. Porque não há ali qualquer património a preservar e quanto mais tarde, pior maré. Mais maleitas vão surgir. 
Ignorar problemas não os resolve. Agrava-os.

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