Feitios nabantinos
A incómoda realidade
Vou arranjar mais inimigos. Daqueles cuja cabeça não permite graduar amigo discordante ocasional, adversário político, inimigo, inimigo visceral, por falta de hábito reflexivo e de vocabulário suficiente. E eu ralado! O caso é que, quando procuro retratar alguns conterrâneos, para através desses retratos dar ao leitor uma ideia geral da urbe, que o conduza a desejar mudar para melhor, desagrado a gregos e a troianos. Os meus queridos conterrâneos em geral não gostam de se ver nos meus toscos retratos. Porque são realistas? Porque dão uma ideia errada? Eis a questão, sendo certo que em Tomar, e julgo que em toda a parte, ninguém gosta de "ficar mal na fotografia".
Desta vez, os alvos são a informação local e alguns comentadores de ocasião, fora do facebook. Aí, já nem me arrisco a comentar, para não fazer má figura. Porque, se numa terra de cegos, quem tem um olho é rei, agora imagine-se uma situação em que todos se julgam de Olhão e a jogar no Boavista. Calma, que ainda nem entrei no essencial da questão. Se já está sem paciência, por favor vá ler outro suporte informativo, mais ao seu gosto ou ao seu alcance.
Os franceses têm um dito popular, um provérbio, que não tem tradução fiel em português: "Chassez le naturel, il revient au galop." Trata-se na verdade de uma ideia de um autor latino do primeiro século da nossa era, chamado Horácio, a que o dramaturgo francês do século XVII Philippe Néricault Destouches deu a sua forma actual. Os ingleses contornaram a dificuldade de tradução, recorrendo à frase "Um leopardo nunca consegue mudar as manchas da sua pelagem."
Em português, creio que podemos usar algo como "Não adianta disfarçar, porque a realidade é como o azeite na água; vem sempre à tona." Estas divagações para tentar explicar a aversão dos meus queridos conterrâneos pelos retratos fiéis.
O caso vem no Tomar na rede, a melhor fonte de informação local para fait-divers, com milhares de leitores no facebook: https://tomarnarede.pt/insolito/casal-comeu-e-nao-pagou/ Como se pode ler, um abuso que começa a ser habitual em Tomar. Desta vez numa modesta tasca, cuja conta em questão ascendeu a 15 euros para duas pessoas. Nada de enorme.
Porquê então a inadimplência? Segundo a notícia, terá mesmo assim havido uma tentativa de negociação, que se malogrou por razões que falta esclarecer. Tal como falta igualmente saber algo mais sobre os clientes, para depois os poder classificar em borlistas praticantes ou infelizes indigentes. Quem eram eles afinal?
Portugueses? Estrangeiros? Jovens? Idosos? Gordos? Magros? Mal vestidos? Que língua falavam? Não pagaram porque não quiseram? Ou porque não tinham dinheiro? O facto de terem optado por um estabelecimento tão modesto, leva a supor que agiram movidos por dois motores - a fome e a necessidade. Terá sido mesmo isso? Em resumo, e para o tal retrato: A informação não está completa e por isso não permite uma adequada interpretação do incidente. É o costume. A informação local é pobre, sem meios humanos adequados, e sem tempo para cuidar dos detalhes. Quando não é forçada pelas circunstâncias a usar açaimo, já não é mau de todo.
Ante tal situação incerta, avançaram logo dois comentadores habituais, cuja identificação cabal é supérflua. Trata-se apenas de os retratar. Um deles opinou que o remédio será passar a pedir a identificação a todos os clientes, logo que se sentam à mesa. Provavelmente nunca terá ouvido falar de "estado policial" ou de "presunção de inocência, até prova em contrário". O que levaria muitos clientes a abandonarem imediatamente o restaurante, quando lhes pedissem a identificação. Com toda a razão. Abaixo qualquer forma de prepotência!
O outro comentador foi ainda mais radical. Escreveu que desta vez não chamaram a polícia, mas fizeram mal. Quem é que disse que já não há ideias ditatoriais em Tomar? Quem garante que os tomarenses em geral não são fascistas, ou pior ainda, alguns sem disso se darem sequer conta? Há a certeza de que em Tomar as ideias do regime autoritário desapareceram com o 25 de Abril? Não estarão ainda em milhares de cabeças, com todos os inconvenientes daí resultantes?
É neste ambiente que se vive, quando se reside em Tomar, uma pequena urbe de província. Uma aldeia pequena, à escala europeia. Onde não espanta que aconteçam coisas, incríveis alhures, quase sempre por óbvia falta de abertura de espírito, disfarçada com basófia e frases feitas.
Professor António Rebelo
ResponderEliminar"O outro comentador foi ainda mais radical. Escreveu que desta vez não chamaram a polícia, mas fizeram mal. Quem é que disse que já não há ideias ditatoriais em Tomar? Quem garante que os tomarenses em geral não são fascistas, ou pior ainda, alguns sem disso se darem sequer conta? Há a certeza de que em Tomar as ideias do regime autoritário desapareceram com o 25 de Abril? Não estarão ainda em milhares de cabeças, com todos os inconvenientes daí resultantes?"
Sr. Professor considera radical chamar a policia num caso como este!? Fascista por querer mais segurança e já agora justiça!?
Fiquei atónico com tal comentário
Cumprimentos
Agradeço o seu comentário e compreendo a sua reação. Todavia, do meu ponto de vista, quem pensa recorrer à autoridade antes de esgotados todos os outros meios, é porque se sente inseguro e só pensa em punir. Exatamente a posição dos eleitores de extrema-direita. Neste caso concreto, convinha antes de mais apurar se os faltosos tinham ou não dinheiro. Se tinham e não queriam pagar, pô-los a lavar a loiça. Se não tinham, mandá-los em paz, porque ou há moralidade ou comem todos, havendo cada vez mais a comer à custa do RSI e da Caritas.
EliminarEm conclusão, não estou a ver onde está neste caso a falta de segurança de que fala. Nos negócios, haver quem não cumpre, por exemplo não pagando, é um risco normal, que nada tem a ver com falta de segurança. Tanto assim que quem, por exemplo, não paga a renda de casa, não vai preso, mesmo chamando a polícia, ou recorrendo aos tribunais, está a ver? Haja tolerância em função da gravidade do incidente.
Boa tarde Professor
EliminarTendo em atenção que nos últimos meses este tipo de ocorrência tem se repetido na cidade, sou de opinião que se deve participar às autoridades competentes.
Quanto à avaliação da situação económica das pessoas caberá ás entidades competentes fazer essa avaliação e decidir em consonância.
Quanto á tolerância, acho que o povo português até é muito tolerante, em comparação com outros povos.
Obrigado