domingo, 30 de abril de 2017

Mais sintomas da doença tomarense

A inauguração das auto-denominadas residências assistidas da Misericórdia de Tomar, com pompa e circunstância, que incluiu ministro e tudo é, bem vistas as coisas, uma exibição involuntária de alguns sintomas da doença tomarense. Não está em causa a reputação daquela Santa Casa, contra a qual nada tenho. Apenas a evidência dos factos.
Logo a abrir, não é ignorável, por maior boa vontade que se tenha, a óbvia ganância que levou a implementar tal projecto. Sem os 80% de ajuda europeia, aquilo nunca teria visto a luz do dia. E muito menos custado perto de 3 milhões de euros, um orçamento que considero algo megalómano, para uma construção tão pequena.
Em segundo lugar, apelidar a coisa de "Edifício Social - Residências assistidas" não passa de um eufemismo para tentar abusar a credulidade alheia. Na verdade, a nóvel valência nada tem de social ou de assistencial, no sentido de ajuda. Basta atentar nos preços praticados. Cauções de milhares de euros e mensalidades exorbitantes mostram que se destina apenas a pessoas com posses próprias da classe média alta. E não me parece que essa seja a função das misericórdias.

Foto Tomar na rede, com agradecimentos.

Para se ter uma ideia da enormidade, avanço o exemplo de Fortaleza, uma cidade costeira com quase 3 milhões de habitantes e muito turismo, capital do Ceará. Aqui, o preço dos restaurantes é praticamente equivalente ao daí (a partir de 6 euros) e as compras no supermercado são até um pouco mais caras (maçãs a mais de 2 euros, pêras a 2 euros e meio, uma lata de atum em óleo 2,10€, kiwis a 6 euros/quilo ...e bacalhau a mais de 25 euros. Tudo no Supermercado Pão de Açúcar, na Av. da Abolição). Pois mesmo em tal contexto, um apartamento mobilado, com sala, varanda, quarto com cama grande ou duas camas, cozinha equipada, casa de banho, 3 ascensores, limpeza diária, piscina, ginásio, garagem, porteiro 24 horas, grande espaço para eventos e vigilante nocturno além do porteiro, situado na primeira ou segunda linha de mar, pode custar por mês entre 2.500 e 3.000 reais = entre 724 e 869 euros, ao câmbio de hoje. E não se trata de edifícios sociais, da Misericórdia, mas sim de construções modernas, edificadas, equipadas e mobiladas sem subsídios, todas com mais de 15 andares.
Em terceiro e último lugar, o longo e complexo processo de legalização do conjunto de residências assistidas, que se arrastou durante quase três anos, mostra bem como o monstro burocrático chamado Câmara de Tomar-DGT, está cada vez melhor e se recomenda. E explica igualmente a fuga da população, em busca de emprego, uma vez que os investidores -que são quem cria empregos produtivos- não gostam mesmo nada daquilo que designam como "burocracia gosma". Com toda a razão, digo eu. Perde-se tempo, paciência e dinheiro.
Está assim parcialmente explicado, com exemplos práticos, porque razão ou razões Fortaleza tem apenas 291 anos, mas já vai a caminho dos 3 milhões de habitantes, enquanto a veneranda Tomar, a minha amada terra, já conta 857 primaveras, mas ainda não chegou aos 50 mil habitantes. E, pelo caminho que as coisas levam, creio bem que jamais lá chegará.

Adenda
Decerto sem qualquer ironia ou cinismo, tomarnarede informa que ainda há vagas no complexo agora inaugurado. Pudera! Se aquilo custou cerca de 2 milhões e 700 mil euros e tem 36 quartos, cada quarto custou 75 mil euros. Por esse preço é possível comprar um apartamento mobilado e equipado, à beira-mar, aqui no Brasil. Só que depois esse apartamento não vai render, como os da Misericórdia de Tomar, no mínimo 9.600 euros anuais, ou seja quase 15% ao ano.Nada mau, para uma instituição particular de solidariedade social, que por isso está isenta de impostos.
Mas pronto, bem sei: Trata-se de compensar os 3 anos em que estiveram parados, e depois esses lucros vão permitir ajudar mais pobres. Ou estarei equivocado?

Sem comentários:

Enviar um comentário