Conforme já assinalaram vários comentadores, em Portugal voltou a euforia, que na verdade nada por enquanto justifica. Mas mesmo assim, os portugueses voltaram a acreditar praticamente em tudo. Em vez de contribuir para ampliar esse fenómeno, julgo ser mais importante encontrar respostas atempadas para estas duas perguntas: Pode o actual governo durar até ao final do mandato? Tem alguma hipótese razoável de vir a conseguir um novo mandato?
A longa crónica que segue, da jornalista Marie Charrel, do LE MONDE, fornece abundante material para ficar a perceber um pouco melhor o mundo novo em que estamos a viver. E o que daí pode vir a resultar em Portugal.
"Desde há alguns meses, a mundialização tem vindo a ser fortemente atacada. É apontada de ambos os lados do Atlântico como responsável pelo aumento das desigualdades sociais, pelo desemprego dos mais necessitados e pelas deslocalizações. Alguns, como Marine Le Pen e em certa medida Jean-Luc Mélenchon, afirmam que o melhor remédio é o proteccionismo e o isolacionismo. Quanto aos que se insurgem contra estas receitas fáceis, estão praticamente sem munições. Que fazer?
Antes de responder, convém afinar o diagnóstico. As maleitas de que padece a economia mundial são mais complexas do que parece. A primeira delas é o menor crescimento da produtividade dos factores. A expressão é um pouco bárbara. Mas é contudo muito concreta. Significa que a qualidade e a eficácia dos factores de produção aumentam agora mais lentamente que antes da crise de 2008.
Queda dos rendimentos do trabalho
É grave, porque o vigor da produtividade é essencial para aumentar os níveis de vida. Um trabalhador americano médio tem agora de trabalhar apenas 17 semanas para ganhar o equivalente ao que um trabalhador seu compatriota ganhava por ano em 1915, explicou Christine Lagarde, directora-geral do FMI, num recente discurso. Caso a produtividade tivesse continuado a aumentar ao mesmo ritmo de antes da crise, o PIB mundial seria actualmente 5% mais elevado, de acordo com o FMI. É o equivalente ao PIB japonês!
Mas afinal porque é que a produtividade baixa? Ninguém sabe realmente: envelhecimento da população, afrouxamento do progresso técnico -que de resto não se sabe medir com rigor- ou ainda uma sequela da crise. Desde 2008, as empresas investem menos e os capitais dirigem-se para os sectores que não produzem inovação, como por exemplo o imobiliário.
A segunda maleita é a queda, desde os anos 70, da parte dos rendimentos do trabalho na maior parte dos países industrializados, em benefício da remuneração do capital. Mais grave ainda: esse declínio é acompanhado por uma crescente desigualdade de rendimentos. O salário dos pouco qualificados aumenta mais lentamente que o dos muito qualificados, enquanto a propriedade do capital tende a concentrar-se nos mais ricos. Segundo um estudo recente do FMI, metade desta descida dos rendimentos do trabalho nas economias avançadas poderá estar ligada ao progresso tecnológico, que implica a automatização dos empregos medianamente qualificados. Outros 25% podem resultar da globalização: os rendimentos nos sectores expostos à concorrência internacional
diminuem.
Falhas nas regulações financeiras
A terceira maleita da economia mundial é o nefasto fluxo de capitais. Lord Adair Turner, patrão da autoridade financeira britânica entre 2008 e 2013, explica o fenómeno no livro que foi lançado em 13 de Abril (Retomar o contrôle da dívida, Editions de l'Atelier, 360 páginas, 25 euros, em francês). Segundo escreve, os capitais deslocam-se cada vez mais e cada vez mais depressa de um Estado para outro, nomeadamente nos países emergentes. Alguns destes capitais contribuem para o crescimento, outros alimentam unicamente bolhas especulativas no imobiliário, provocando inutilmente o aumento de cotação de algumas moedas e desencadeando violentas tempestades, quando emigram subitamente em busca de melhores rendimentos.
Tais fluxos nefastos de capitais são o fruto de falhas nas regulações financeiras internacionais. E, provavelmente também, de um excesso de liberalização nessa matéria. Mas é difícil proibir tais fluxos, sem ao mesmo tempo privar os países dos bons investimentos, que são indispensáveis...
Ante estes complexos problemas, que penalizam os trabalhadores com pouca ou média qualificação, os populistas pensam já ter encontrado a resposta. O Instituto de conjuntura de Munique - IFO, define como segue o projecto económico dos populistas: Confronto entre uma élite vista como corrupta e um povo supostamente virtuoso, rejeição dos imigrantes e do comércio livre, propostas de remédios económicos sistematicamente voltados para a retoma. Seja qual for o contexto, os populistas apresentam sempre a retoma como a solução milagrosa.
É óbvio que medidas de relançamento tendo em vista incentivar a retoma, podem ser úteis para sustentar uma procura demasiado fraca. Porém, se pensarmos nos grandes problemas antes descritos, torna-se claro que as propostas populistas não podem afinal resolver grande coisa. Talvez estimulem o crescimento a curto prazo. Mas depois?
Investir massivamente na educação
É aí que reside a dificuldade com que os nossos países estão confrontados. Para relançar a produtividade e aumentar a percentagem dos rendimentos do trabalho, para reduzir as desigualdades e atenuar os excessos do sistema financeiro, têm de pensar na implementação de soluções de longo prazo, que são delicadas e incertas.
A primeira pista consiste em investir massivamente na educação. Na das crianças e adolescentes, para reduzir o insucesso escolar. Mas também na dos adultos, para que as suas competências estejam sempre actualizadas. E para permitir aos que perdem o emprego a aquisição rápida dos saberes necessários para encontrar outro posto de trabalho.
A segunda pista consiste em apostar na inovação.. E não se trata só de instaurar créditos de imposto, de resultados duvidosos, mas de desenvolver universidades viradas para a investigação científica fundamental, conectadas com o tecido empresarial de ponta, abertas à circulação das ideias e aos falhanços. Porque o medo de falhar é o maior travão à mudança, à criatividade e à inovação.
A terceira pista é o reforço da regulação financeira. De não ceder, como Trump, aos lóbis que asseguram que os bancos trabalhavam melhor se estivessem submetidas a menos regras prudenciais. Mas sem contudo cair no extremo oposto: proibir tudo, taxar tudo, arriscando assim secar as fontes de financiamentos úteis. A alta finança tem de ser enquadrada para funcionar bem. Nem demasiado, nem demasiado pouco. Tudo nuances pouco apelativas, é verdade, quando se trata de subir a uma tribuna para convencer os eleitores...
Marie Charrel, Le Monde online, 15/04/2017
Tradução e adaptação de António Rebelo
O negrito e o destaque a azul são de Tomar a dianteira.
Nota de rodapé
Para os que ainda não tenham compreendido onde situar o governo da geringonça e as suas medidas de retoma, que se integram afinal no populismo de esquerda, repito: "É óbvio que medidas de relançamento tendo em vista incentivar a retoma, podem ser úteis para sustentar uma procura demasiado fraca. Porém, se pensarmos nos grandes problemas antes descritos, torna-se claro que as propostas dos populistas não podem afinal resolver grande coisa. Talvez estimulem o crescimento a curto prazo. Mas depois?"
Nesta conjuntura, como se resolvem os problemas tomarenses?, perguntará você.
Em Tomar já se andou um bocadinho. Tanto quanto sei, temos pela primeira vez antes das autárquicas um diagnóstico mais ou menos completo da doença tomarense. A qual se caracteriza por um sintoma principal, ao mesmo tempo causa e consequência das várias maleitas: A hemorragia populacional. Os cerca de 350 eleitores eleitores que anualmente desaparecem dos cadernos eleitorais, deixando por isso de pagar impostos no concelho, que assim vai encolhendo em termos fiscais.
Agora é só indagar as respectivas causas. Já anteriormente aqui apontei as principais, mas ninguém é obrigado a ler e/ou acreditar no que eu escrevo. Por isso, aqui vão mais uma vez algumas: taxas locais exageradas, excesso de burocracia, arrogância administrativa, atitude inadequada dos autarcas e dos funcionários superiores, que agem como se os cidadãos estivessem ao serviço da autarquia.
Ante estes complexos problemas, que penalizam os trabalhadores com pouca ou média qualificação, os populistas pensam já ter encontrado a resposta. O Instituto de conjuntura de Munique - IFO, define como segue o projecto económico dos populistas: Confronto entre uma élite vista como corrupta e um povo supostamente virtuoso, rejeição dos imigrantes e do comércio livre, propostas de remédios económicos sistematicamente voltados para a retoma. Seja qual for o contexto, os populistas apresentam sempre a retoma como a solução milagrosa.
É óbvio que medidas de relançamento tendo em vista incentivar a retoma, podem ser úteis para sustentar uma procura demasiado fraca. Porém, se pensarmos nos grandes problemas antes descritos, torna-se claro que as propostas populistas não podem afinal resolver grande coisa. Talvez estimulem o crescimento a curto prazo. Mas depois?
Investir massivamente na educação
É aí que reside a dificuldade com que os nossos países estão confrontados. Para relançar a produtividade e aumentar a percentagem dos rendimentos do trabalho, para reduzir as desigualdades e atenuar os excessos do sistema financeiro, têm de pensar na implementação de soluções de longo prazo, que são delicadas e incertas.
A primeira pista consiste em investir massivamente na educação. Na das crianças e adolescentes, para reduzir o insucesso escolar. Mas também na dos adultos, para que as suas competências estejam sempre actualizadas. E para permitir aos que perdem o emprego a aquisição rápida dos saberes necessários para encontrar outro posto de trabalho.
A segunda pista consiste em apostar na inovação.. E não se trata só de instaurar créditos de imposto, de resultados duvidosos, mas de desenvolver universidades viradas para a investigação científica fundamental, conectadas com o tecido empresarial de ponta, abertas à circulação das ideias e aos falhanços. Porque o medo de falhar é o maior travão à mudança, à criatividade e à inovação.
A terceira pista é o reforço da regulação financeira. De não ceder, como Trump, aos lóbis que asseguram que os bancos trabalhavam melhor se estivessem submetidas a menos regras prudenciais. Mas sem contudo cair no extremo oposto: proibir tudo, taxar tudo, arriscando assim secar as fontes de financiamentos úteis. A alta finança tem de ser enquadrada para funcionar bem. Nem demasiado, nem demasiado pouco. Tudo nuances pouco apelativas, é verdade, quando se trata de subir a uma tribuna para convencer os eleitores...
Marie Charrel, Le Monde online, 15/04/2017
Tradução e adaptação de António Rebelo
O negrito e o destaque a azul são de Tomar a dianteira.
Nota de rodapé
Para os que ainda não tenham compreendido onde situar o governo da geringonça e as suas medidas de retoma, que se integram afinal no populismo de esquerda, repito: "É óbvio que medidas de relançamento tendo em vista incentivar a retoma, podem ser úteis para sustentar uma procura demasiado fraca. Porém, se pensarmos nos grandes problemas antes descritos, torna-se claro que as propostas dos populistas não podem afinal resolver grande coisa. Talvez estimulem o crescimento a curto prazo. Mas depois?"
Nesta conjuntura, como se resolvem os problemas tomarenses?, perguntará você.
Em Tomar já se andou um bocadinho. Tanto quanto sei, temos pela primeira vez antes das autárquicas um diagnóstico mais ou menos completo da doença tomarense. A qual se caracteriza por um sintoma principal, ao mesmo tempo causa e consequência das várias maleitas: A hemorragia populacional. Os cerca de 350 eleitores eleitores que anualmente desaparecem dos cadernos eleitorais, deixando por isso de pagar impostos no concelho, que assim vai encolhendo em termos fiscais.
Agora é só indagar as respectivas causas. Já anteriormente aqui apontei as principais, mas ninguém é obrigado a ler e/ou acreditar no que eu escrevo. Por isso, aqui vão mais uma vez algumas: taxas locais exageradas, excesso de burocracia, arrogância administrativa, atitude inadequada dos autarcas e dos funcionários superiores, que agem como se os cidadãos estivessem ao serviço da autarquia.
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