Granadas de fumo

O caso das multas aplicadas a Anabela Freitas

Nota prévia

O que segue não deve em caso algum ser interpretado como uma crítica ou um ataque ao respeitado semanário regional O MIRANTE, nem ao jornalista autor da notícia. Acredito sinceramente que nem um nem outro são responsáveis pelo que se passa a descrever. Limitaram-se a colaborar, inadvertidamente julgo eu.

Faz parte da arte da guerra. Na ausência de cobertura aérea, lançam-se sucessivas granadas de fumo para ocultar ao inimigo o avanço das tropas. O problema é que, nos dias que correm, com webcams, drones, helicópteros, aviões, radares e satélites espiões, o uso de granadas de fumo já só ilude quem as lança ou manda lançar. É na minha opinião o caso desta notícia:

1 - Existe uma evidente diferença entre "Câmara de Tomar abre processo..." do título, e "A Câmara de Tomar vai abrir um processo..." Entre os dois tempos verbais, há uma distância conceptual no espírito de quem ouve ou lê. A mesma existente entre "Morre o rei Baudalicas" e "Vai morrer o rei Baudalicas". No primeiro caso, o rei já morreu, porque morre está no presente do indicativo, que já é passado quando lido pelos destinatários da notícia.  No segundo, devido ao uso do futuro próximo, o rei ainda está em agonia, ignora-se por quanto tempo. E até pode ainda sobreviver. Outro tanto acontece com o mencionado processo disciplinar. Entre o abre e o vai abrir, até pode nunca vir a passar de hipótese anunciada..

2 - "Anabela Freitas afirma que não teve uma única intervenção neste processo." Será decerto verdade. Mas isso não a liberta das responsabilidades inerentes ao cargo que ocupa. Os requerimentos são todos obrigatoriamente dirigidos ao presidente da câmara, neste caso à presidente. Logo, se ela os não despacha nem acompanha até à conclusão do respectivo processo, porque evidentemente não pode, alguém o faz em seu nome, por delegação de competências, que deve constar algures. Mas a responsabilidade última é sempre do titular do cargo. Daí as multas. Que agora, pela lógica e sentido de justiça, devem ser repercutidas no ou nos prevaricadores, que não honraram as funções que ocupam, ao serviço da colectividade.

3 - "Anabela Freitas garantiu... ... que após as averiguações, realizadas por alguém externo à Câmara Municipal..."  Alguém é um pronome indefinido, inaceitável nestas circunstâncias, porque tanto os eleitores, como sobretudo os funcionários a inquirir, têm o direito de saber antecipadamente quem é o sindicante, como foi nomeado e qual o seu mandato legal.

4 - "após as averiguações... ..."as conclusões determinarão se os funcionários do município serão alvo de sanções", nomeadamente de "processo disciplinar". É evidente existir aqui alguma confusão no vocabulário usado e nas ideias subjacentes. Um processo disciplinar nunca é uma sanção. Apenas um caminho legal indispensável, que pode eventualmente conduzir à proposta de aplicação de sanções por quem de direito.

Conclusão

Resulta do antecedente que, no estado actual das coisas,  não vai haver qualquer auditoria ou sindicância à autarquia. E muito menos serão desencadeados processos disciplinares contra funcionários. Até porque a situação ainda não parece muito clara, mesmo para Anabela Freitas, que entretanto também já declarou ir solicitar apoio jurídico à ANMP - Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Trata-se, no meu entender, até prova factual em contrário, de uma manobra de comunicação, mais ou menos hábil, visando manter a ideia de vítima das circunstâncias muito resiliente, até à campanha eleitoral. Sem todavia agitar demasiado as águas salobras do pântano da Praça da República, para não perder votos indispensáveis à almejada vitória.