O assunto não cabe na política local, bem sei. Mas como português fiquei com tanta azia que não consigo calar-me.
As polémicas declarações do ministro das finanças holandês e presidente do Eurogrupo são conhecidas. Sem referir nominalmente os países do sul ou quaisquer outros, disse que não se pode gastar dinheiro com "putas e vinho verde" e depois ir pedi-lo aos países da Europa do norte. Houve imediatamente reacções discordantes, com destaque para as de António Costa, inutilmente violentas mas em consonância com os seus parceiros geringoncistas que, como se sabe, são anti-euro e anti-Europa, assim como consideram haver um parti-pris da Europa do norte contra os países do sul.
Se nesta questão Costa fosse tão sensato e diplomata como no relacionamento com Belém, não teria decerto ido até ao pedido de demissão do ministro holandês. Porque afinal, qual o peso real de Portugal no contexto europeu? Excluindo alguns carreiristas, sobretudo no parlamento europeu, quem atribui alguma importância ao que dizem os governantes de uma país que manifestamente tem dificuldades em governar-se, já pediu auxílio internacional por três vezes em quarenta anos e tem uma dívida pública equivalente a 130% do PIB, quando o normal seria menos de 60%? Ninguém, obviamente, salvo uma ou outra excepção. Como a Espanha, cujo governo se mostrou ofendido, mais para tentar colocar o seu ministro, anteriormente vencido, no lugar do holandês, do que para apoiar Portugal. Quanto aos restantes países, nicles! Itália, Grécia, França, Malta, Chipre, igualmente do sul, mantiveram um prudente silêncio. E o ministro alemão manifestou ostensivamente o seu apoio ao presidente do Eurogrupo.
Apesar de tão evidente desautorização, Costa continuou a bater na tecla da demissão e veio com aquela da sondagem a Centeno para presidir ao Eurogrupo, que Bruxelas não confirma. Como se os países do norte, aqueles que pagam sempre mais do que recebem, e têm dívidas públicas moderadas, alguma vez fossem nessa de pôr uma raposa a presidir na capoeira das galinhas.
Suponho que exasperado ante tanta indiferença externa, o PM congeminou então o golpe final. Nada mais nada menos que pedir frontalmente ao ministro inconveniente que apresentasse desculpas públicas. Embaraçado ante semelhante proposta, Centeno, que andou por Harvard e por isso tem Mundo, deve ter sentido o chão a fugir-lhe debaixo dos pés. O que o levou a delegar tão delicada missão no seu secretário de Estado, pretextando indisponibilidade de agenda.
Tivemos então aquele triste espectáculo trágico-cómico. Um exemplo de nítida falta de tacto diplomático, que até visualmente é caricato. Um simples secretário de Estado, baixote e anafado, de um pequeno país tradicionalmente mal governado e fortemente endividado, segurando a mão de um ministro alto e atlético, de um país bem governado e fundador da agora União Europeia, enquanto lhe ia dizendo para apresentar desculpas publicamente. Visivelmente surpreendido e sentindo-se enxovalhado com tamanha falta de cortesia, o holandês manteve a correcção diplomática que o cargo exige, mas não resistiu a um desabafo educado. "Também eu estou chocado com a posição de Portugal", disse ele. A típica resposta do benfeitor para o pobre mal agradecido e impertinente
Aplaudido poucos dias antes por cerca de setecentos banqueiros alemães, ao abordar a questão das suas polémicas declarações, ou muito me engano, ou com esta atitude nada protocolar do governo português, mais própria de um taxista dos arrabaldes do que de um representante credenciado de Portugal, o ministro holandês tem o lugar garantido até ao final do mandato. E o PM Costa tem de meter a viola no saco e arranjar outro comportamento, que o actual estilo trauliteiro começa a destoar demasiado, constituindo por vezes. como neste caso, uma vergonha para todos nós.
Adenda
"Estamos muito empenhados na exigência de um pedido de desculpa formal de Dijsselbloem pelas suas palavras tontas. Mas por cá alguém ouviu um pedido de desculpa pelo desastre que nós próprios provocámos e pelos sacrifícios a que obrigámos cidadãos e contribuintes? Antes dos nossos governantes se armarem em virgens ofendidas talvez devêssemos começar por aí."
Paulo Ferreira, Eco online
"Estamos muito empenhados na exigência de um pedido de desculpa formal de Dijsselbloem pelas suas palavras tontas. Mas por cá alguém ouviu um pedido de desculpa pelo desastre que nós próprios provocámos e pelos sacrifícios a que obrigámos cidadãos e contribuintes? Antes dos nossos governantes se armarem em virgens ofendidas talvez devêssemos começar por aí."
Paulo Ferreira, Eco online
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