quarta-feira, 17 de agosto de 2022

 


Lavagem da Janela do capítulo

A triste realidade

Escrevi aqui, durante anos, protestando contra a ideia de lavagem da Janela do capítulo, por entender que a mesma é supérflua e muito perigosa para o futuro daquele ex-libris tomarense. Perde-se uma patine preciosa, com mais de quatro séculos, bem como  uma protecção muito segura e natural. 

Não fui seguido. Tomaram-me por mais um calhorda. Um D. Quixote provinciano. E as obras aí estão. É pena. L'appat du gain a parlé plus fort et il a été entendu. Malheureusement. Excusez le français, mais à l'UNESCO on comprend mieux la langue de Voltaire, et la fenêtre est classée "Patrimoine mondial".

Convém esclarecer, antes de mais, que não se trata de restaurar a janela, como dizem e está escrito. Apenas de a limpar, em conjunto com a fachada, ou mais provavelmente lavar, a jacto de água com areia, como tem sido feito por esse país fora. Por vezes com estragos consideráveis, como no portal dos Jerónimos ou no da Igreja da Atalaia. Os especialistas do património sabem bem do que falo.

Se forem por aí, pela lavagem com água e areia, vão destruir a camada de musgo e líquenes que agora cobrem os poros do calcário, evitando a penetração das chuvas ácidas. A tal patine preciosa. Uma vez consumado o desastre, e perante os inevitáveis estragos futuros sob forma de salitre, só haverá um recurso de relativo sucesso: plastificar para cobrir de novo os poros. É isso que se pretende?

Tanto empenhamento no pretenso restauro da janela, pouco ou nada tem a ver realmente com a paixão pelo património. Trata-se antes, penso eu, de sacar mais uma oportunidade para ganhar muito dinheiro com pouco trabalho. É claro que há garantias de que todo o trabalho de limpeza será feito à mão e por especialistas reputados. O costume.  Mas quem conhece realmente a janela, sabe que tal levaria meses e meses, com resultado incerto. Com água e areia é muito mais rápido, e respeita o compromisso inicial. É feito à mão, como prometido, mas com uma agulheta.

São apenas acusações infundadas? Oxalá fossem. Infelizmente há toda uma sucessão de factos convergentes apontando em sentido inverso. A começar por este, até agora nunca mencionado: Faltam na janela duas imagens em pedra, uma de cada lado, conforme se pode ver nos detalhes fotográficos mais abaixo. Alguém alguma vez se preocupou com isso? Que imagens eram? Quando desapareceram? Ninguém sabe. Nem sequer repararam nesse incómodo detalhe. Mas então, em que consiste o alegado e tão difundido restauro? Não se trata de recuperar, tanto quanto possível, o aspecto primitivo?

Como diria o saudoso Nini Ferreira, se ainda cá estivesse: É a ganhunça! É a ganhunça!



Nota posterior

Os nichos vazios, cujas imagens foram roubadas ou destruídas ao longo dos séculos, são algo que não acontece só na Janela do capítulo. Na igreja de S. João Baptista, também em fase de restauro, faltam três imagens no portal principal. Uma de cada lado e uma ao meio, em cima, (ver foto abaixo), bem como duas no portal lateral, que dá para a Corredoura. Apesar das obras em curso, ditas de restauro e conservação, custarem perto de dois milhões de euros, com 80% provenientes da União Europeia, alguém se preocupou com isso? É preciso é limpar. Como na janela do capítulo. Para dar nas vistas... e encher o bolso.



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