segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Um projecto para Tomar

Um amigo que muito estimo, respondendo a um reparo meu, esclareceu-me que andava em demanda de uma causa tomarense, apadrinhável pelos tomarenses todos. Entendi que queria dizer um projecto para Tomar, que consiga congregar uma maioria de tomarenses. Um pouco o que infelizmente acaba de ocorrer nos Estados Unidos, com a imprevista eleição de Trump, só que de sinal contrário.
Limitei-me na resposta, desejando-lhe boa sorte. Isto por ser minha convicção que tal demanda será em vão, porque os piores inimigos de Tomar são os próprios eleitores tomarenses. Não de forma deliberada, bem entendido. Simplesmente porque não entendem nem se dão conta das consequências para a urbe e para o concelho daquilo que vão fazendo. Já aqui foi dito, porém nunca será demais repetir, enquanto a situação se mantiver.
Numa rápida pesquisa na net, concluí que se vendem diariamente em Portugal cerca de 200 mil exemplares de jornais desportivos (120 mil A bola, 60 mil Record, 25 mil o Jogo). É verdade! 200 mil exemplares desportivos para 10 milhões de habitantes. Comparativamente, em Espanha, os diários desportivos Marca e AS ficam-se conjuntamente pelos 300 mil exemplares, para uma população de quase 47 milhões. Mais de quatro vezes e meia a população portuguesa. Na mesma linha, em França o L'équipe e o France Football, respectivamente diário e bi-semanário, vendem  230 mil e 75 mil exemplares cada um. Um total de 300 mil exemplares, para 67 milhões de habitantes.

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Há portanto algo de particular em Portugal, no que se refere à leitura de jornais, com números bem superiores aos europeus no que concerne aos desportivos, mas muito aquém dos mesmos europeus em termos de imprensa generalista. O Expresso não vai além dos 120 mil por semana e o Correio da Manhã anda também por aí, mas diariamente. Quanto aos diários ditos de referência -Diário de Notícias e Público- ficam-se aquém dos 20 mil exemplares vendidos. Uma verdadeira miséria cultural.
Que significa tudo isto, para quem, como eu, nada tenha contra a imprensa desportiva? Quanto a mim, indicam apenas -e já não é nada pouco- que a população em geral prefere leituras leves, suaves, que abordem assuntos sem consequências práticas na vida de cada um. Que o Benfica ganhe, o Sporting perca ou o Porto empate, as implicações na vida de todos e de cada um, excepto para o próprio clube, são nulas, para além da alegria ou tristeza consoante o resultado. Mas essa atitude de preferir sistematicamente embrenhar-se na leitura da imprensa desportiva, em detrimento da outra (no fundo, uma forma de alienação), vai prejudicando e muito as nossas comunidades urbanas, Porque não é sinónimo de boa cidadania implicar-se nos resultados desportivos, mesmo do clube da terra, mas estar-se nas tintas para o buraco ao fundo da rua, as aselhices dos autarcas ou a fuga da população. Atitude que pesa muito aquando de cada consulta eleitoral.
Esta problemática situação é particularmente evidente em Tomar, onde até já prosperou, no tempo das vacas gordas, um jornal desportivo -o Remate. Que fechou portas não por falta de leitores e apreciadores, mas apenas porque as vacas emagreceram e os seus patrocinadores foram forçados a retrair-se. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Só a qualidade média dos eleitos tomarenses é que se mantém inalterada  desde as primeiras eleições autárquicas, em 1976. Por alguma razão será...
De resto, essa tal tendência para preferir leituras leves que não atinjam o leitor nas partes mais sensíveis, nota-se mesmo aqui, neste modesto blogue. Basta consultar as estatísticas insuspeitas do Google. Aí se constata que, regra geral, a excelente e sempre bem-vinda prosa do meu amigo Mário Cobra é mais lida do que a  minha. Porque ele escreve bem, de acordo. Mas também porque aborda as coisas com sábia ironia e fica-se sempre pelas generalidades. Nunca vai ao tutano. Ao contrário do que eu procuro fazer, dando sistematicamente caneladas nos meus conterrâneos. Procurando ir ao osso de cada questão. Aonde dói. Com boa intenção, mas mesmo assim caneladas psicologicamente dolorosas. Que todavia só magoam por óbvia falta de hábitos democráticos. Dos visados, não minha. Por isso consta por aí que sou agreste, que sou ríspido, que sou malcriado. Pois sou, mas propositadamente. E não tenciono mudar. Pelo menos enquanto os meus concidadãos se mantiveram como são, e a minha amada terra necessitar, no meu entender, de quem seja sempre franco, directo, bruto e mal educado, quando necessário. Embora salvaguardando as boas maneiras e a não violência física, que são sempre valores  essenciais e irrenunciáveis.
Nestas trágicas condições, com esta população que temos, (e infelizmente não há outra, como diria o Beresford), elaborar um projecto para Tomar, susceptível de congregar à partida uma larga maioria favorável, não me parece tarefa fácil. A menos que se trate de planear uma passeata colectiva, com comezaina à fartazana, muito tintol, bailarico e animação. Tudo à custa do orçamento municipal, evidentemente! Os contribuintes assumem tudo. Que remédio. Como bem cantou o Variações, já lá vão duas ou três décadas, "Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que as paga...é só pagar, é só pagar, é só pagar."
É desgraçadamente uma situação sem remédio, enquanto não houver uma maioria eleitoral capaz de intuir a relação  para mim evidente entre o cu e as calças.
Em conclusão, este escrito é mesmo muito desagradável, não é? E o culpado é o autor, claro! Boa altura portanto para relembrar aquele dito milenar chinês, atribuído por vezes a Confúcio, segundo o qual, "Quando o dedo aponta para a Lua, os idiotas só olham para o dedo." Mas se calhar preferem aquele outro, que também vem a propósito, escrito por Bertold Brecht: "Todos acusam o rio violento, que tudo  vai destruindo na sua passagem. Mas todos esquecem as margens que o oprimem."

anfrarebelo@gmail.com 

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