Com a notável excepção do decano Pedro Marques, os membros do actual executivo autárquico não têm qualquer ideia, baseada em vivência própria, do que possa ser ditadura versus democracia. Pela simples razão de terem nascido ou pouco antes ou até já depois do 25 de Abril, no que não têm qualquer culpa. Mas não espantam por isso algumas confusões e até contradições. Eleitos que se acham e dizem democratas de primeira água, e afinal agem como ditadores logo que a ocasião se apresenta. Porque é fora de dúvidas que democracia = transparência, ditadura = segredos.
Foi o que aconteceu nomeadamente na reunião camarária de ontem, 28/11, segundo o relato de Tomar na rede. Quando chegou a altura de debater a eventual instalação de bombas de abastecimento de combustível a preços mais reduzidos, junto ao Intermarché, a respeitável presidente-democrata entendeu que a reunião devia prosseguir à porta fechada. Caiu assim, quiçá sem disso se dar conta, numa curiosa contradição: Os eleitores já tiveram ocasião de ficar a saber, da sua própria boca, detalhes da sua vida privada, que melhor fora para todas as partes preservar, mas agora esses mesmos eleitores foram deliberadamente impedidos de saber o teor do debate sobre uma mera questão de licenciamento de obras, porque afinal é disso mesmo que se trata. Porquê? O que impediu o debate público de um assunto que a todos diz respeito pelas suas inevitáveis implicações? Haverá segredo de Estado?
Julgo conhecer a causa remota de semelhante disparate. Na verdade, desde há muito que o serviço camarário de obras particulares e urbanismo se mostra totalmente avesso à transparência democrática. Pior ainda, alguns dos seus elementos dirigentes têm-se na conta de câmara-sombra. Um autêntico feudo dentro da autarquia. Posso até avançar um exemplo concreto. Quando em tempos foi indeferido um determinado projecto, o requerente queixou-se, alegando que houvera manifestos detalhes estranhos, pelo que colocava a hipótese de ter existido a intenção de criar dificuldades por cima da mesa, para depois vender facilidades por baixo da mesma. Ao tomarem conhecimento da dita queixa, suas excelências sentiram-se ofendidas, por se ter colocado a hipótese de corrupção, pelo que recomendaram ao executivo que procedesse judicialmente contra o ousado e malvado munícipe. Felizmente para essas excelências, imperou o bom senso entre os autarcas de então, que resolveram engavetar o processo. Se assim não fora, um construtor civil, familiar do requerente que se considerava prejudicado, estava disposto a explicar detalhadamente em tribunal uma curiosa frase sua, segundo a qual "O problema em Tomar não é a corrupção, mas o seu custo, de longe o mais elevado da zona."
Os anos passaram, instalou-se a crise, mudaram os autarcas, praticamente já não há construção nem investimento em Tomar (se calhar justamente porque a corrupção era mesmo demasiado cara) mas, a julgar pelo que acaba de acontecer, os velhos hábitos mantêm-se. Logo que se tratou de debater uma matéria que interessa a todos e que, certamente não por mero acaso, é da competência técnica do tal feudo das obras particulares e urbanismo, a presidente decretou o secretismo. Porquê? Há alguma coisa a esconder? Teme as eventuais reacções da população? Tem medo dos que mandam no dito feudo? Haverá alguma relação entre os desiderata desses serviços e a recente demissão de Rui Serrano?
Dada a muito forte improbabilidade de a presidente vir esclarecer tamanha argolada política, são tudo perguntas que a oposição podia e devia fazer, para depois estar em condições de esclarecer enfim a população. Quanto mais não seja para evitar dúvidas e o subsequente avolumar de suspeitas. Terão coragem para tanto?
O futuro o dirá.
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