Mário Cobra
Prezados patrícios, estimadíssimos possíveis
patrocinadores:
A cena seguinte ocorreu algures, no então
chamado Ultramar. Já lá vão mais de quatro décadas. Veio ordem para mudar as
chapinhas de alumínio, que cada um trazia ao pescoço, para quando... Iam ser
substituídas por outras em inox. Nova folha de matrícula para cada militar.
Companhia formada, começou o ritual: nome, filho de e de, nascido em,
habilitações escolares. Sabe ler, escrever e contar em português, com
correnteza?
O médico da companhia era natural de Goa –
Índia portuguesa. Respondidos os quesitos essenciais disse, quanto às
habilitações escolares, Formado em medicina pela Escola Médica de Goa. Sabe
ler, escrever e contar em português, com correnteza, interrogou o primeiro
sargento da Companhia. –Ó primeiro, com franqueza. Já disse que sou formado em
medicina... -Não foi isso que eu perguntei, replicou o primeiro. Sabe ler,
escrever e contar em português, com correnteza? Sim ou não? –Sim! –Então vamos ao
seguinte. Nome...
Os
tempos são agora outros, bem diferentes. Já não se fazem perguntas descabidas
sobre os conhecimentos básicos, porque felizmente já praticamente todos sabem
ler, escrever e contar em português, porém em muitos casos sem correnteza
nenhuma. Vamos portanto a um suponha-se.
Suponha-se este vosso expedito servidor não licenciado, indigitado
para tomar posse como consultor governamental, autárquico, ou mesmo de uma
qualquer tertúlia dos discriminados do tachito. Cerimónia de posse com pompa e
circunstância, em manhã soalheira, pombos adejando pelos varandins, salão nobre
engalanado com os seus melhores brocados e outros panejamentos, muitas flores,
sobretudo cravos vermelhos e rosas idem, cadeiras repletas de familiares e
amigos. Chega o momento tão aguardado: “Juro solenemente, pela minha honra, eu
seja ceguinho, caia-me já aqui a placa dentária, o anjo da guarda seja meu
avalista, se não concluí com distinção o ensino básico.".
Graças ao altíssimo, a nenhum dos presentes
ocorreu repetir as velhas perguntas do primeiro da companhia, pelo que, perante
as instituições, posso jurar pela alminha de um ouriço-cacheiro que nunca
apresentarei licenciaturas falsas, nem que a vaca da má sorte tussa. E se tossir,
deixá-la tossir. No meu tempo de ingresso na universidade, premonitório como convinha,
mostrei-me interessado em matricular-me na licenciatura em subvenções vitalícias,
a mais propícia a uma promissora carreira curtíssima. Assim tipo “queca” de
coelho: -É tão bom, não foi?
Para meu desgosto e desencanto, fui logo informado que, para aceder a essa licenciatura em subvenções vitalícias, só matriculando-me primeiro nos partidos políticos com acesso ao poder. Aí, na sede do partido mais a jeito, chutaram-me com a profecia “Muitos são os candidatos, poucos os escolhidos. Vai aparecendo, que quem não aparece esquece.”
Para meu desgosto e desencanto, fui logo informado que, para aceder a essa licenciatura em subvenções vitalícias, só matriculando-me primeiro nos partidos políticos com acesso ao poder. Aí, na sede do partido mais a jeito, chutaram-me com a profecia “Muitos são os candidatos, poucos os escolhidos. Vai aparecendo, que quem não aparece esquece.”
Foto ilustrativa. Qualquer relação com o tema desta crónica será mera coincidência. Fortuita.
Sendo assim, assumindo-me desde já como não
licenciado, não serei caçado, porque nem coelho nem rato, quando a administração
pública submeter os indigitados para os cargos públicos ao teste das habilitações, na
maquineta da verdade. Como fazem nas instituições bancárias, procurando
detectar notas falsas, só que neste caso com o objectivo de evitar licenciaturas
tão falsas como as empedernidas beatas da paróquia. Bem as conhecemos, suas
fingidas!
Apraz-me ainda informar que me submeto, da
melhor vontade, à obrigação institucional de entregar a minha declaração de rendimentos. Porque, se houver justiça, ainda tenho a receber e muito. E quanto ao meu património,
resume-se a um carro velho, em idade de reforma, o qual só ainda circula porque
não há outra hipótese. Tem de dar o litro até gripar. Entretanto, lá vai indo aos
mecânicos e levando as afinações possíveis contra a gripe.
Caso, apesar de tudo, seja mesmo necessário
apresentar uma licenciatura, naturalmente que não terei qualquer dificuldade em
a obter, porque se adquirem com relativa facilidade, nos meandros da
conveniência e da desfaçatez. Naquele processo bem conhecido como “Toma lá, dá
cá”. Seja portanto como der mais jeito. Com canudo ou sem canudo, como se dizia
noutros tempos. E se for necessário um doutoramento, posso apresentar desde já
o da mula ruça. Só me falta a alimária, o chapéu de chuva e a carapuça, mas
isso arranja-se em menos de um fósforo. Alimárias não faltam, guarda-chuvas
também não, e carapuças andamos nós todos a enfiar há décadas.
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