segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Compreende-se

"A República é a organização da voz do povo, ou é a voz do povo desorganizada?
Mas o que nos intriga são todos os que não querem participar na “coisa publica”. 
É um dos indícios da degradação da “coisa publica”, é demissão dificilmente tolerável, é comodismo conveniente, é preguiça mental, é sinal de fraqueza urbana, são argumentos de falácia, é tudo menos cidadania." 

António Lourenço dos Santos, Tomar opinião, 31-10-2016

Compreendo que o Lourenço do Santos ande intrigado, como tantos de nós. Praticamente metade da população adulta não vota. E, mesmo entre os que vão às urnas, abunda o desinteresse pela política. Só lá vão, no dia da eleição, para evitar o falatório. Donde resultam as relativamente elevadas  percentagens de brancos e de nulos (Respectivamente 3,87% e 2,95%, a nível nacional em 2013, mas 4,73% e 4,19% no concelho de Tomar, na mesma data). Escrevo isto com uma nova visão das coisas, por ter constatado recentemente, aqui no Brasil, que os votos brancos e nulos chegam a ultrapassar os 25%, porque o voto é obrigatório e as pessoas (não consigo chamar-lhes cidadãos) não sabem mesmo em quem votar.
No nosso minúsculo país, cujo eleitorado é inferior à população da cidade de S. Paulo ou do Rio de Janeiro, tendendo mesmo assim a diminuir, o que nos deve levar a descer à Terra quanto antes, parece haver uma primeira razão para o alheamento das coisas da política. Falo da má fama dela e dos políticos, baseada em geral numa longa e dolorosa experiência. É bem sabido que durante as campanhas eleitorais oferecem o paraíso, mas depois, já no poder, tendem a transformar o dia a dia num inferno, ao priorizarem os seus próprios interesses, bem como os dos funcionários que os servem. Desgraçadamente, não é preciso sair de Tomar para saber como acontece na prática.
A outra causa será mais complexa, pois resulta da geral ignorância das pessoas, numa sociedade cada vez mais complicada. Noutros termos, os eleitores inscritos pouco ou nada sabem do meio em que vivem, por falta de informação e/ou porque não entendem o que lhes dizem ou publicam. Donde a natural desconfiança perante o desconhecido, que provoca o afastamento.
O terceiro caso é o daqueles que têm os meios de saber e em geral sabem, recusando contudo participar, para não sujarem as mãos. Exceptuam-se os que bem gostariam de assim poder proceder, mas cujo fraco rendimento mensal obriga a procurar melhorias, sendo que a política paga relativamente bem, tanto por cima como infelizmente por debaixo da mesa.

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É neste último grupo, integrado igualmente por muitos que dele só têm a pretensão, pois lhes faltam nitidamente os meios para saber, designadamente a massa encefálica adequada, que estão também dois outros subgrupos dificilmente quantificáveis. Falo daqueles cidadãos que já perceberam que o actual sistema político, tal como vem sendo exercido, tem os dias contados, por evidente falta de recursos financeiros. O que nem é de estranhar. Somos eleitores inscritos num país onde todos querem receber, porém quase ninguém quer pagar.
O primeiro desses subgrupos recusa-se obstinadamente a acreditar que assim é, continuando a afirmar que há alternativa à austeridade. Não querem ver o que está acontecendo na Grécia, apesar de governada pelo Bloco de Esquerda de lá, forçado a executar uma política dita de direita, porque afinal a única realista.
O segundo subgrupo já percebeu que não há outra saída, recusando todavia a indispensável austeridade porque é um remédio demasiado amargo. Vai daí,  procuram, por assim dizer infantilmente, atrasar as coisas. Recusam participar em qualquer actividade relacionada com a política, para mais tarde não virem a ser acusados de colaboracionismo.
Em conclusão, é meu entendimento que Lourenço dos Santos não tem que ficar intrigado com o progressivo alheamento dos eleitores inscritos em relação à política. Vendo a televisão no dia a dia e/ou ouvindo/lendo as enormidades dos governantes que temos, seria mesmo caso para fugir, se houvesse para onde. Infelizmente, estamos cada vez mais, como no século XIX com os títulos de nobreza: "-Foge cão, que te fazem barão! -E pra onde, se me fazem conde?".
Aí em Portugal, faz-me muita impressão ver certas coisas e o clima invernal é péssimo. Aqui no Brasil, o clima é excelente, quanto ao resto, não sou eleitor. Prefiro não me pronunciar.
Concluindo por agora, quanto ao afastamento da política activa, resta-me voltar a repetir, conforme venho fazendo há muitos anos: Não preciso da política para nada. Continuo a ter um projecto coerente e realista para salvar Tomar do atoleiro. Se os tomarenses não querem facultar-me condições para que eu tenha a oportunidade de o implementar, o problema é deles. Não meu. Porque eles é que vivem mal. Eu nem por isso. Por enquanto ainda não estou farto de viver bem, mantendo-me afastado da política activa. Só o tal dever de cidadania é que me incomoda a consciência e me leva a (ainda) continuar a escrever.

anfrarebelo@gmail.com