Mário Cobra
O comum dos munícipes deve nutrir
compreensível beneplácito por quantos descontraídos senhores deputados
municipais, ao longo dos tempos, sempre participaram nas sessões da respectiva
assembleia como se estivessem num recreio.
Isso mesmo - num recreio. Dirão “Vamos ali passar um bocado”. Soa bem. Vamos
ali passar um bocado. As cadeiras são razoáveis, há água engarrafada nas mesas
(antes das restrições havia), os pombos esvoaçam na praça pública. O costume, nestas descrições. Desabafo entre dentes dos deputados “Então, pá, acusam-nos
do tu cá-tu lá, então, pá, queriam que levássemos isto a sério?”. Referem-se ao
lamento expresso no “Tomar na rede”, que assim se transcreve “Quem assistiu à última reunião da assembleia municipal de Tomar poderia
pensar que, por vezes, estava a assistir a uma conversa de café”.
Rebuscando
no arquivo das memórias, se agora parece um café, já foi em tempos acusada de
parecer uma tasca, ó Zé!. Há c´anos, bons tempos que já não voltam, talvez por
excesso de novas posturas de liberdades ao peito, um grupo de deputados
municipais levava petisco para o recreio das nocturnas sessões da digníssima Assembleia Municipal. O garrafão de vinho caseiro, os enchidos de porco doméstico, o
pão de fabrico próprio, que um dos deputados era padeiro. Enquanto os mais compenetrados parlamentares dissertavam retóricas sobre
os alegados e chatos problemas do concelho, no gabinete anexo os mais
descontraídos ferravam o dente no petisco, empinando tinto do bom, daquele ainda feito com uvas. Às tantas, uma bela noite, estranhou-se a falta de quórum para uma
votação. Soou então a pergunta incómoda: “Mas onde estão os deputados municipais?”. E logo a resposta, numa voz serena “Estão ali no gabinete ao lado, a encher a mula e
a emborcar uns canecos”. Atente-se nesta subtileza de estratégia autárquica
“Encher a mula e emborcar uns canecos”.
Chamados à pressa, ainda limpando os beiços,
sentaram-se com ar compenetrado, ouvindo-se “Vamos lá então votar”, logo
complementado com o gracejo de um deles “Vamos mas é arrotar”. Os folgazões
acabavam por aprovar, mas sabiam lá bem o quê. Em vez de aprovar a proposta,
preferiam aprovar a pinga.
Assumimos que o episódio foi por nós mais
valorizado porque, enquanto representantes da comunicação social, nunca fomos
convidados a proceder à cobertura jornalística do conluio, sempre discriminados
neste entremeio gustativo. Lembras-te dessas farras, ó Zé? Sentados no espaço
reservado à comunicação social, só os víamos passar, os senhores deputados.
Intrigados, lá íamos comentando “Mas que raio, deu a vontade ao pessoal de irem
todos ao mesmo tempo à casa de banho?”, “Será aperto de bexiga por meterem tanta
água?”. Afinal eram apenas simples comezainas. Qual foi a solução para este esquema
gastronómico nas sessões nocturnas? Isso mesmo, a sessão da assembleia passou a
realizar-se na parte da tarde. Todos recordamos a anedota do presidente de um
grande clube, ao marcar uma reunião de direcção para uma sexta-feira. A secretária perguntou:“Senhor presidente, sexta escreve-se com um ésse ou com um xis?" E o ilustre dirigente foi rápido na resposta: "Olha rapariga,
é melhor marcar para sábado”.
Ainda nesse tempo das reuniões nocturnas,
finda a avassaladora contenda ideológica, os deputados municipais das forças
políticas do arco do poder dirigiam-se para um restaurante da zona, aí deglutindo à
ceia a estimada senha de presença. Os deputados da CDU presume-se que não iam, por considerarem os repastos como desvios próprios de pequenos burgueses (pequenos
consoante o tamanho do bife). O deputado do BE, esse não ia, por não lhe dar
jeito comer sozinho.
Nessa época, em vez de “Vamos à assembleia”
diziam “Vamos ao petisco”. Agora, em vez de “Vamos à assembleia” dirão “Então pá, logo vamos ao café”. Na hora dos mágicos lanches, quando o apetite também
ataca o vizinho, comentam “Ó pá, agora ia um pastelinho”. Ou um beija-me
depressa, ou uma fatia de Tomar, ou uma rodela de toucinho, mas daquele do céu, que o de porco faz engordar..
Por isso,
de tasca a café, na Assembleia Municipal, houve ou não evolução, ó Zé? Pois houve sim senhor. Falta é o pão quente da Asseiceira, o tintol
dos Casais ou os enchidos da Sabacheira. Por exemplo.
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