sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Crónica nabantina com porcos

Agoniado pelo cheiro nauseabundo que lhe invade o lar e irrita a pituitária, um cidadão residente no arrabalde nascente da urbe, numa moradia que lhe custou somas avultadas, decidiu queixar-se à câmara e a outras autoridades. Afirma que um vizinho próximo mandou fazer uns barracões e neles instalou 15 porcos, animais que, como o seu próprio nome indica, acrescento eu, são limpíssimos. E se forem javalis, conforme também já li noutra fonte, ainda mais limpos são. Mas a carne também é mais saborosa...
Apresentada a queixa em Agosto passado, disse  o citado cidadão, logo um fiscal camarário o informou que "estava tudo em conformidade". Pouco tempo depois, mas ainda em Agosto, um técnico superior da autarquia, um arquitecto, deslocou-se ao local, certamente porque alguém o lá mandou. Tendo constatado a veracidade da reclamação e conhecendo eventualmente o relatório do fiscal supra referido, atestando a conformidade, foi taxativo. Os barracões nunca foram licenciados. Nem nunca poderão vir a ser, julgo eu. Pois se, aqui há anos, a câmara recusou emitir licença para uma criação de caracóis nas Algarvias, alegando que não estavam asseguradas as condições mínimas para o tratamento dos efluentes respectivos, vai agora autorizar uma suinicultura urbana com 15 animais?
Ou estou a leste da questão, ou 15 porcos cagam mais diariamente que 15 dúzias de caracóis numa semana. Mesmo que sejam daquela variedade do sul de França, onde lhes chamam justamente "cagouilles". Por conseguinte...


Cansado de aguardar e decerto com a glândula pituitária cada vez mais exacerbada, o munícipe reclamante voltou a protestar respeitosamente na reunião camarária do passado dia 7. Quase três meses após se ter queixado, tudo continua na mesma, referiu em substância. Perante o que, o polivalente vereador Cristóvão disse que o executivo ia proceder à necessária notificação para que o munícipe prevaricador proceda à demolição dos ilegais barracões da sua suinicultura. Urbana e não obstante artesanal e ilegal. Custa a crer, mas acontece. Mesmo em plena área urbana, é possível construir coisas ilegais sem que a fiscalização camarária disso se dê conta. No meu entender, deve ser por causa daquela campanha a favor da integração  dos invisuais no mercado de trabalho. São acolhidos na função pública autárquica e depois dá nisto. Porque não há pior cego que aquele que não quer ver, reza o adágio popular.
E o não querer ver por conveniência é uma prática muito antiga. Um exemplo, já com barbas: Aqui há cinco décadas, um munícipe agradecido (na altura ainda não havia cidadãos, foi antes de 1974) deslocou-se a casa do então zelador municipal (encarregado geral) e ofereceu-lhe um presunto. O honrado funcionário aceitou o presente, mas retrucou: -Então olhe lá, o raio do porco era coxo?! Neste ano de 2016, não estou a ver nenhum eleitor a oferecer só um presunto, nem tão pouco um funcionário municipal a reclamar de forma implícita e truculenta. Outros tempos, outros usos, outros níveis. E que níveis! Pelo que, tem toda a razão a senhora presidente. A onze meses das próximas eleições, numa cidade de funcionários públicos e ex-funcionários públicos, agora aposentados, gerida por funcionários públicos teoricamente às ordens de funcionários públicos eleitos, com mentalidade de funcionários públicos sentados, o mais aconselhável e menos perigoso em termos eleitorais é mesmo prometer publicamente que "vai ser aberto um conjunto de procedimentos internos para averiguar o que se passou." Um simples, rápido e eficaz processo disciplinar, seguido da inevitável punição do ou dos funcionários em causa, poderia desencadear um desastre de proporções incalculáveis. Como sucede por vezes naqueles edifícios com muitos séculos. Quando se procura substituir um ou outro barrote manifestamente imprestável, o telhado vem abaixo. Afinal, constata-se depois, estava tudo podre, mas não se notava assim à primeira vista. Só após o incidente é que se percebeu enfim porque chovia antes dentro do prédio e ninguém tomava providências.
Entretanto avulta também o problema do suinicultor ilegal. Que precisa de ganhar a sua vida, como qualquer outro cidadão. Deixar tudo como está, já se viu não ser possível. Não só devido à pertinente e reiterada reclamação do vizinho prejudicado. Também e sobretudo porque seria um mau exemplo. Uma nova versão do triunfo dos porcos. Que, como bem sabe quem é lido, são todos iguais, mas há sempre uns mais iguais que outros. Resta portanto encontrar uma solução, se possível vantajosa para ambas as partes.
A câmara é dona da estalagem de Santa Iria, que concessionou, mas cujas rendas não recebe há anos, segundo consta na cidade. Ao lado, nos terrenos anexos ao ex-estádio, a autarquia acaba de concessionar por 20 anos um terreno público, destinado a edificar um local para café, pastelaria e gelataria, com livraria anexa, para mostrar que somos uma terra de cultura. Tudo com projecto já aprovado. Nesta mesma linha, o executivo municipal poderia decerto encontrar um terreno onde o suinicultor ora em falta pudesse continuar a ganhar a sua vida de forma legal, erguendo pavilhões antes aprovados pela autarquia.
Mesmo que depois o vereador Pedro Marques viesse declarar que duvidava da rentabilidade da coisa para o concessionário, como já fez em relação à futura pastelaria anexa ao ex-estádio, sempre ficaria a boa acção, em prol do desenvolvimento local, graças ao investimento privado.
Governar não é só gargarejar. É também e sobretudo decidir. Resolver. Acertar e cometer erros. Porque só não erra quem nada faz.

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