Arranjos urbanos e compadrios
O protesto da colónia tomarense
https://omirante.pt/sociedade/2023-12-28-Obra-de-requalificacao-do-espaco-publico-em-Tomar-ganha-premio-da4bcc43
Há uns anos, visitei a Ilha da Páscoa, que fica no meio do Oceano Pacífico, a 5 horas e meia da capital do Chile. Tem muito para admirar, designadamente os moais (ver imagem) mas apenas 6 mil habitantes. Quando passeava na minúscula capital, Hanga Roa, li alguns documentos oficiais, afixados nos painéis da fachada do edifício da administração local.
Começavam todos com a mesma fórmula: "Governo do Chile - O governador da Ilha da Páscoa aos habitantes da colónia, faço saber que..." Sabia que a ilha é uma colónia Chilena, mas julguei que a designação fosse outra, tipo distrito, como a Guiana francesa, ou região autónoma, como as Canárias ou a Madeira. Incomodava-me aquele vocábulo "colónia", mesmo depois de ter andado com a arma na mão em Angola, durante dois anos, nos idos de 60.
Duas portas ao lado, no mesmo edifício, mudei de opinião, ao ler numa chapa metálica fixada na parede "Movimento de libertação da Ilha da Páscoa - Sede". Um governo colonial que fornece uma sede para o movimento de emancipação, no próprio edifício governamental, não pode ser muito mau. Saber-se-ia. Como se sabe que as coisas não vão bem em Cuba ou na Nicarágua, por exemplo.
Veio-me tudo isto à memória, ao ler n'O Mirante (link supra) que uns senhores arquitectos da lisboeta capital do império reincidiram. Atribuiram mais um prémio àquelas obras vergonhosas da Nun'Álvares, da Torres Pinheiro e da Combatentes. Escrevi vergonhosas porque ainda não ouvi ou li ninguém da cidade louvar ou sequer aprovar aquilo. Excepto a autarquia, claro. E o caso não é para menos. Roubaram lugares de estacionamento; fizeram pistas cicláveis impraticáveis, ou porque o piso é demasiado irregular, ou porque terminam em esplanadas de café; colocaram pilaretes em excesso; fizeram uma curva para a Combatentes que obriga os camiões e os autocarros a galgar parte do passeio: ousaram uma ciclovia com fabulosos 19 metros de comprido, na Combatentes; e acabaram por não fazer a única obra que realmente faz falta: a rotunda da ARAL. Uma série de dislates e uma vergonha final. Mas quem não se consegue enxergar...
Apesar de todas estas mazelas, e outras que ficam por mencionar, para não alongar demasiado, resolveram os senhores arquitectos da pequena metrópole atribuir um prémio de inovação ao autor dos projectos, e ao Município da colónia de Tomar, como dono das obras. Estão no seu direito. Esta república em que vivemos permite tudo e nada pune. Mas ao fazê-lo caem no ridículo, porque os tomarenses podemos não ser todos umas inteligências por aí além. Mas tão pouco somos todos lorpas, simplórios, palonços ou papalvos, incapazes de perceber a tosca manobra mentirosa, urdida na velha capital do império que já foi, por respeitáveis cidadãos com ideias caducas e outras afigurações.
Aqui fica, para memória futura, em nome próprio e no dos seus conterrâneos que se considerem também ofendidos, o protesto dos habitantes da colónia tomarense. Vão gozar com a guarda do punho da espada do Gualdim Pais, vista do lado sul, ali na Praça da República! Nem de propósito!
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