Excesso de cagança e carência de sanitários
A sete horas de avião, mas com a leitura em dia, fica-se com a ideia que o ambiente tomarense é de euforia, entusiasmo, quase de epopeia. Um semanário local titula "Oito pares de tabuleiros desfilaram na BTL perante centenas de pessoas e houve milhares de fotografias." Ainda não é bem um tomarense em órbita, mas já faltou mais.
Não tem mal algum, bem entendido. Mas também não tem razão de ser. Assim de longe, parecem pobres armados em ricos, graças às esmolas de Bruxelas, cuja aplicação deixa muito a desejar. Conviria portanto sentar-se um bocadinho, a pensar. Quem somos? Onde estamos? Para onde queremos ir? Para onde nos estão a levar?
A euforia reinante é despropositada, uma vez que as condições gerais, tanto internas como externas são adversas. Indo do maior para o mais pequeno, seria útil situarmo-nos: Um país de 3 P = pequeno, pobre e periférico. Uma cidade pequena, nitidamente a encolher de dia para dia, procurando esconder essa decadência com atitudes de grandeza. Do tipo "Arrota pelintra! Faz-te lorde!".
Quem está razoavelmente informado, sabe que a conjuntura exterior não tem sido, nem é nada boa. A guerra na Ucrânia, o aumento exagerado dos combustíveis, a inflação, o custo elevado dos transportes, com relevo para os bilhetes de avião, tudo isto leva a pensar que este ano, em termos gerais, o turismo vai ficar abaixo do nível de antes da pandemia.
Em Portugal, nessa área sensível da nossa economia, a situação tornou-se ainda mais aflitiva. Além da previsível recessão no turismo estrangeiro, tendo em conta que somos ultra periféricos em relação aos principais mercados europeus (excepto Espanha), e isso nota-se no custo das passagens aéreas, há ainda o problema dos viajantes nacionais.
A difusão praticamente instantânea da informação é muito vantajosa, mas também tem os seus inconvenientes. Um deles é que os candidatos às férias fora de casa, vulgo turistas nacionais, são cada vez mais numerosos a comparar custos. E depressa chegaram à conclusão que umas férias na sul de Espanha, em Marrocos ou nas Canárias, ficam mais baratas que no Algarve. Não tem explicação lógica, em termos económicos, mas é assim. E também por isso, o nosso turismo receptivo não vai crescer como gostaríamos, enquanto a componente turistas nacionais no exterior tende a aumentar. É mais um quebra-cabeças para as Finanças. Mas como estamos no euro...
Em tal conjuntura, aconselharia a prudência que a Câmara fizesse o possível para cumprir aquilo que lhe cabe. Mas qual quê?! Propaganda é que é bom. Ornamentações é que está a dar. Como na Festa grande, que custa uma ninharia. Em vez dos sanitários, do estacionamento, do campismo, da arena polivalente ou do transporte rápido não poluente para o Castelo, a autarquia decidiu que é prioritário arrelvar o Flecheiro quanto antes, porque os turistas precisam é de relva. Já o Salazar assim pensava. Quando lhe foram dizer que estavam alguns homens a comer relva nos canteiros frente ao palácio, como forma de protesto contra a fome, foi espreitar e mandou entregar um bilhete num envelope a cada um. Já longe dos canteiros, quando abriram os envelopes, verificaram que diziam todos o mesmo: "O portador está autorizado a comer relva em todos os jardins do país."
Nem se lembraram os senhores eleitos que era capaz de ser melhor deixar o Flecheiro como está agora, para servir de grande parque de estacionamento durante a Festa, começando as obras só depois. Realmente, esta maioria socialista terá decerto as suas qualidades, mas o sentido prático das coisas não parece ser uma delas. É pena.
Termino com uma nota de esperança e um curta história verdadeira. Oxalá nos próximos cinco anos, a autarquia mande erguer finalmente as estruturas de acolhimento que já deviam estar feitas há anos. Se assim não for, é meu entendimento que algumas unidades hoteleiras terão de fechar portas. Isto porque, ao contrário dos restaurantes, os hotéis só trabalham com turistas. E estes quando se sentem mal recebidos, não voltam e fazem promoção negativa.
Aqui há meia dúzia de anos, aconselhei o dono de um dos cafés da Praça da República a protestar junto da Câmara contra a vinda de distribuidoras de cerveja, por ocasião das festas académicas, por exemplo. Procurei fazer-lhe ver que era injusto, uma vez que pagavam as contribuições e depois tiravam-lhes a clientela nas principais ocasiões. -Chega para todos! foi a resposta triunfante. Passaram menos de dez anos, e o café já fechou. Afinal, parece que não chegava para todos. Mas os tomarenses são almas generosas, que acreditam que "Deus nosso senhor tem lá muito para nos dar. É só preciso saber pedir."
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