terça-feira, 28 de março de 2023

Tomarensices

Em Tomar 

saber produzir textos é por vezes bastante complicado.

Muito se fala do american way of life, uns para o defender, outros para contestar, mas há também o modo de vida tomarense, que passa despercebido à maior parte, apesar da sua evidente originalidade. Eis alguns exemplos, com menos de 10 anos.
Bateram-me à porta pela hora de almoço, sem se darem conta da inconveniência e, convidados a entrar após exposição sumária do assunto, começaram por chorar, chorar, chorar... Depois lá veio então a terrivel confissão. A menina tinha sido abusada por um membro do clero, era muito grave, mas eram católicos praticantes e por isso não podiam queixar-se publicamente.
Depois de contarem tudo de forma detalhada, pediam para eu denunciar por escrito a prevaricação hedionda. Disse-lhes que o faria de boa vontade, mas que teriam de se assumir como pais da vítima, indo até aos tribunais se necessário. Recusaram porque a religião não lhes permitia, na visão deles.
Os anos passaram, a vítima já é adulta e houve alterações no clero regional. Não me consta que no recente relatório independente se tenha incluído o caso que mencionei antes...
Anos volvidos, um tomarense conceituado e tradicional, daqueles que não falham uma missa e comungam com frequência, veio falar comigo, pois sentia-se ultrajado. O pároco tinha mandado para o museu diocesano de Santarém um dos quadros de S. João Baptista, assim sem mais nem menos. Como se tudo aquilo fosse propriedade da Igreja católica, quando afinal é do Estado. Perguntava se eu estaria disponível para ajudar. Obtida a minha anuência, foram convocadas duas reuniões, cada uma com meia dúzia de tomarenses, durante as quais expliquei o que se podia fazer. Escrevi dois protestos num semanário local, que desencadearam uma polémica com um conhecido causídico nabantino, entretanto já falecido.
Desde então, alguns dos participantes nas reuniões nem sequer me cumprimentam, quando nos cruzamos na rua. Quanto ao quadro em questão, ignoro qual seja a situação, se regressou a Tomar, se continua em Santarém. Creio que a Cãmara também não sabe. Não se mete nessas coisas. Segundo a tradição "A Cristo o que é de Cristo, a César o que é de César." Onde isso já vai!
Já este ano, tive ocasião de me insurgir contra dois evidentes abusos do clero católico local. Refiro-me à tela de propaganda, abusivamente colocada na parede norte da torre sineira de Santa Maria, e à missa campal em pleno Mouchão, com os escuteiros em cima da relva.
Já me chegaram ecos de que ambos os protestos caíram mal entre os fiéis locais, os quais alegam que a igreja católica não é criticável pois "é obra de Deus". Peço licença para discordar. A Igreja não é obra de Deus, mas dos homens, alegadamente em nome de Deus, o que não é de todo a mesma coisa. Está portanto sujeita à crítica como qualquer outra instituição ou pessoa. É muito desagradável? Tenham santa paciência. Ter conterrâneos assim também não é nada fácil.
Mas é claro, se eu repetir que os piores inimigos de Tomar são os seus próprios habitantes, vão achar que é um manifesto exagero. E no entanto...



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