segunda-feira, 16 de abril de 2018

Tabuleiros 2019

Vamos mudar, respeitando a tradição?

Aqueles tomarenses que já perceberam ser não só necessário como até indispensável mudar, sob pena de perdermos para sempre o comboio do progresso, são um ínfima minoria. A grande maioria continua apegada a uma situação que já cumpriu o seu papel histórico, estando por isso condenada ao desaparecimento. A expressão não é minha, mas de Paul Krugman, Nobel de Economia, numa peça jornalística sobre a evolução das cidades.
Apesar de minoria, esses tomarenses que ousam manifestar as suas opiniões divergentes, como o autor destas linhas, assustam os conservadores locais, a esmagadora maioria. Cujos representantes disparam imediatamente com o canhão maior da guarnição: -Temos que respeitar a tradição.
Pois seja. Mas que tradição? A tradição multissecular, ou a tradição do século passado, quando o regime não era lá muito apresentável? No caso da Festa dos Tabuleiros, os seus guardiões defendem a manutenção do "modelo João Simões", ou seja a festa de 1950. Quando grande parte das portadoras de tabuleiros eram operárias da Fábrica de Fiação, dirigida pelo referido João Simões, enquanto muitos rapazes ajudantes eram soldados de Infantaria 15, que cumpriam o serviço militar obrigatório. Pouco ou nada a ver portanto com a situação mais recente. E ainda bem.
João Simões, "o Jone",  não era tomarense, mas era um cavalheiro com berço. Um estrangeirado culto e com Mundo, formado em Inglaterra. Tendo visto cortejos anteriores, percebeu ser necessário "folclorizar" a festa, para a integrar no turismo então nascente, dando-lhe ao mesmo tempo unidade, de forma a torná-la mais vistosa. Daí nasceram os trajes das portadoras e dos respectivos ajudantes, bem como a forma-padrão dos tabuleiros, o conjunto ainda hoje respeitado e até venerado, a que chamam tradição, a preservar custe o que custar.


Esta fotografia de Aires Grandela, de 1948, copiada do nosso colega Tomar na rede, mostra como eram os cortejos de oferendas a que terá assistido João Simões. Nem uniformidade de trajes, nem modelo único de formato do tabuleiro. Trajes "de ir ver a Deus" e cestos ornamentados. Ah, mas eram cortejos de oferendas! Pois eram. E o cortejo dos tabuleiros é afinal o quê?
Olhando bem para a foto, que tem exactamente 70 anos, forçoso é reconhecer que o modelo João Simões é mais imponente, mais espectacular como se diz agora. Tem mais dignidade. Razões mais do que suficientes para não o pôr em causa. Só que, para que possa manter-se, é imperioso alterar completamente o modelo organizativo da Festa Grande, enquanto ainda é tempo.
Há que ter a coragem de, mantendo o essencial da tradição, dar à Festa a autonomia e os recursos orgânicos de que carece, de forma a alcançar dois objectivos: A - Deixar de ser só de quatro em quatro anos, quando já foi de dois em dois, nos anos 60 (ver imagem a cores). B - Transformar-se numa manifestação prestigiada, criadora de riqueza transaccionável, não dependente do orçamento municipal e da encapotada compra de votos, como tem vindo a suceder. A dignidade e o futuro de Tomar e dos tomarenses assim o exigem. Haverá alento e determinação para tanto? De  justificações falaciosas estamos todos fartos.
É agora ou nunca!


"Em Julho todos os anos pares", diz a legenda em francês e em inglês. Logo por azar, 2019 é ano ímpar. É assim que respeitam a tradição? Que tradição afinal?


Adenda

Fica para ocasião mais propícia uma abordagem detalhada sobre a actuação de alguns tomarenses, que na altura foram contra a "reforma João Simões", mas décadas mais tarde acabaram a defendê-la como tradição. Um deles até foi mordomo. Muito competente, por sinal.
A vida tem destas coisas.

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