segunda-feira, 23 de abril de 2018

Sobre o novo "Hotel República" - 2

Esclarecida a vertente secundária, mas recorrente, de qualificar qualquer crítica como mera rabugem de velhos do Restelo, passa-se agora ao essencial. Um casal de emigrantes no Luxemburgo, ele tomarense, ela francesa, resolveram investir em Tomar. É uma decisão audaciosa, que saúdo com todo o respeito, com alegria, e que merece apoio. Trata-se afinal de arriscar dois milhões de euros para criar inicialmente 15 postos de trabalho, contribuindo também para a requalificação do património edificado tomarense.
Por tudo isso, como ex-emigrante e ex-profissional de turismo em terras gaulesas, aqui expresso ao corajoso casal o meu apoio, com votos de que sejam bafejados por toda a sorte do mundo, pois me parece que bem a merecem e bem precisam. Quanto mais não  seja pela velha sentença latina, segundo a qual audaces fortuna juvat -a sorte ajuda os audazes.
Dito o básico em termos societais, há que encarar as coisas tal  como as vemos, e aí lamento ter de ser pessimista empedernido, em vez de optimista balofo. Isto porque, frontalmente aqui o deixo escrito, não acredito em duas premissas do anunciado projecto. Baseado no que conheço da realidade tomarense e portuguesa na área da construção civil, estou como S. Tomé. Só depois de ver o hotel concluído e a funcionar, acreditarei que foi possível terminá-lo antes da próxima festa dos tabuleiros, em Julho de 2019. Mas oxalá que sim!
Caso tal aconteça, ficarei muito feliz e apressar-me-ei a confessar nestas linhas que me enganei, dando a mão à palmatória, que é como quem diz, admitindo a minha culpa e procurando -então sim- remédio para o meu pessimismo, empedernido porque tendo por base uma muito longa experiência de vida.
Na mesma linha de raciocínio, tão pouco me parece que possa vir a ser rentável um hotel de 5 estrelas numa terra como Tomar e naquela localização, com dificuldades de acesso motorizado, sem estacionamento e com apenas 19 quartos. Oxalá me engane, mas mesmo considerando que o tomarense em questão é economista, bancário, e terá sido bem aconselhado, não posso deixar de ter igualmente em conta a usual megalomania, sob forma de afigurações, que é praticamente uma característica dos tomarenses mais evoluídos. Neste caso não propriamente dos investidores, mas de quem os assessorou.

Foto Tomar na rede

Como bem sabem os que se interessam por estas questões -que não são muitos- em Tomar é tudo hiperbólico. Do melhor que há no Mundo. E sempre sem mácula. Prova disso é, por exemplo, o comentário da senhora presidente da câmara, na cerimónia de apresentação do projecto do hotel. Disse a nossa autarca: "O que pretendemos são os turistas que fiquem pelo menos três noites e que Tomar seja a sua base, podendo a partir de Tomar visitar os pontos de interesse do Médio Tejo e da região." 
Tratando-se de uma opinião respeitável, está à vista tratar-se também de algo como um sonho de uma noite de primavera. De uma confusão entre o desejável e o possível. Na realidade em que vivemos, na área do turismo internacional a Região centro resume-se a Coimbra, Alcobaça, Batalha, Fátima, Nazaré e Tomar, esta exclusivamente por causa do Convento de Cristo. Ou seja, a partir de Lisboa, da Nazaré, de Coimbra ou de Fátima, pode-se visitar tudo num dia. O resto são balelas para agradar ao auditório..
Conforme a senhora autarca também deve saber, Portugal é um país relativamente pequeno, com apenas três aeroportos de grande afluência de turística: Lisboa, Faro e Porto, por esta ordem. Tais são por conseguinte, quer nos agrade ou não, as três plataformas distribuidoras de visitantes que há no país, por razões óbvias. Além delas, apenas algumas praias não algarvias, com relevo para a Nazaré e a Figueira,  que asseguram alguma distribuição de visitantes para o interior mais próximo, bem como Coimbra, devido ao seu ascendente cultural entre os povos lusófonos.
Tentar fazer de Tomar um centro de turismo residencial e uma base para visitar a região, é certamente um óptimo projecto, que contudo nunca poderá florescer desgarrado, não tendo nesta altura nada para o potenciar, para além do Convento de Cristo e, de quatro em quatro anos, os Tabuleiros. Convenhamos que é muito pouca coisa, quando por outro lado industriais, comerciantes e particulares pagam dos mais caros recibos de água e saneamento do país, o que naturalmente se repercute depois nos preços.
Acontece que também na área do turismo, e mesmo tratando-se de hotéis de cinco estrelas, o que os visitantes procuram não diverge muito, salvo raríssimas excepções: quanto mais barato melhor. Não é de todo o caso de Tomar, devido nomeadamente aos citados recibos e às tais afigurações supramencionadas. O que naturalmente tende a afastar as pernoitas turísticas para poisos mais clementes.
Restam dúvidas, apesar da argumentação apresentada? É natural. Nem todos dispõem da mesma bagagem analítica, nem de semelhante experiência do terreno. A situação é a que é. Em qualquer caso, convirá meditar no ocorrido com a Estalagem de Santa Iria que, com 12 quartos, 10 empregados e sem amortização do investimento, uma vez que tanto as instalações como o recheio e equipamento pertencem à Câmara, não se aguentou no balanço. Apesar da excelente localização, do fácil acesso,do estacionamento à frente da porta e da muito simpática renda mensal, só sobrevivia porque deixara de pagar dez anos antes do encerramento compulsivo.

Sem comentários:

Enviar um comentário