O velho do Restelo
Em Tomar, tornou-se corriqueiro usar a expressão velhos do Restelo. Se calhar devido a alguma influência daquele "magnífico" grafito no muro de suporte do ex-estádio municipal, financiado com dinheiros europeus que, como se vê, podem servir para tudo. Prova disso é este comentário sobre o anunciado novo hotel de cinco estrelas, copiado do nosso colega Tomar na rede, que tem a virtude assinável de não ser anónimo:
"Excelente noticia e muitas felicidades aos investidores. Embora devam aparecer por aí os velhos do restelo, a contestar por causa, de sei lá o quê."
Sendo bem conhecida a incomum densidade cultural tomarense, pensa-se que, quanto aos"velhos do restelo", o melhor será ir às origens, antes de administrar a inevitável estocada final que se impõe. A figura mítica do Velho do Restelo foi criada por Luís de Camões e aparece n'Os Lusíadas, no Canto IV, Estrofes 90 a 104. Mais especificamente, a Estrofe 94 reza assim:
Mas um velho d'aspecto venerando
Que ficava na praia entre as gentes
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça descontente
A voz pesada um pouco alevantada
Que nós no mar ouvimos claramente
C'um saber só de experiência feito
Três palavras tirou do experto peito:
Segue-se a estrofe 95, que abre com as tais três palavras:
Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama
... ... ...
Dessas três palavras -glória, fama e cobiça- as duas primeiras voltam a surgir na estrofe 96:
Chamam-te fama e glória soberana
Nomes com quem se o povo néscio engana
... ... ...
Aí temos o essencial. O Velho do Restelo é nitidamente contra os Descobrimentos e até explica porquê. Dado que naquela época, e depois durante vários séculos, se consideraram as navegações portuguesas um grande sucesso interno e global, a atitude do Velho do Restelo aparece como retrógrada, temerosa e virada para o passado. Contudo, vistas as coisas neste ano de 2018, forçoso é reconhecer que o velho do Restelo se mostrou prudente e estava afinal a ver longe. Teve frazão muito antes do tempo. Esse o seu erro.
Os descobrimentos foram no fim de contas uma gigantesca tragédia para os portugueses, sobretudo em termos de perdas humanas. Basta pensar que, para além dos milhares perecidos em naufrágios, e das enormes baixas nas várias guerras antigas de além-mar, só entre 1961 e 1975, ficaram nas savanas africanas 13 mil mortos e desaparecidos. Para um país de menos de 10 milhões, terá sido um êxito? Para os do poder e aqueles que ficaram, sem problemas de consciência, certamente que foi. Mas para os que partiram, tantos deles obrigados, bem como para as suas famílias...
Os descobrimentos foram no fim de contas uma gigantesca tragédia para os portugueses, sobretudo em termos de perdas humanas. Basta pensar que, para além dos milhares perecidos em naufrágios, e das enormes baixas nas várias guerras antigas de além-mar, só entre 1961 e 1975, ficaram nas savanas africanas 13 mil mortos e desaparecidos. Para um país de menos de 10 milhões, terá sido um êxito? Para os do poder e aqueles que ficaram, sem problemas de consciência, certamente que foi. Mas para os que partiram, tantos deles obrigados, bem como para as suas famílias...
100% de acordo - do princípio ao fim.
ResponderEliminarÉ sempre de bom senso conciliar o velho com o novo, assim me ensinou Mao Tsé-Tung.
Só da última vez que estive em Tomar é que vi o "grafito". Não tem pés nem cabeça. Reconheço que o tema foi encomendado com propósito provocatório.