domingo, 8 de abril de 2018

Festa dos Tabuleiros 2019

Já começaram a escorregar


É um chavão, um lugar comum, dizer-se que a lingua portuguesa é muito traiçoeira, escorregadia. Vendo bem, não é uma coisa nem outra. Sucede apenas que, como diz o povo, para o mau dançarino  o chão é sempre torto. No caso, a língua pátria não é agora mais escorregadia que em tempos. Há é cada vez mais lusofalantes a escorregar, o que é bem diferente.
Contrariando a tradição, os tomarenses reunidos para o efeito escolheram pela primeira vez, por unanimidade e aclamação, uma conterrânea em vez de um conterrâneo para organizar e dirigir a próxima Festa Grande. Foi ontem, mas infelizmente já há a registar pelo menos uma escorregadela:


É óbvio, mas manda a prudência deixar escrito, que nada tenho contra O Mirante, que considero um jornal bem informado, credível e geralmente com boa redacção. Sucede contudo que aquela expressão a mordomo" não se deve aceitar de todo em português corrente. Pode até considerar-se uma deselegância para com a Maria João, tal como seria o seu contrário: escrever que João Victal foi o mordoma das festas de 2007, 2011 e 2015.
Isto porque, na nossa língua, a particula colocada antes do substantivo ou nome, designada como artigo definido na gramática clássica, ou determinante definido, na nova gramática, obriga à concordância em género (masculino-feminino) e em número (singular-plural), com a palavra imediatamente a seguir. Por conseguinte, o mordomo ou a mordoma, consoante o caso. Nunca a forma atabalhoada usada n'O Mirante.
A regra geral é sempre O/UM para masculino singular, A/UMA para o feminino singular. Só quando o nome seguinte termina em E se pode usar O ou A consoante o caso, por se tratar de um nome comum de dois. Exemplo: O presidente Marcelo viaja muito. A presidente Anabela Freitas abriu a sessão.
Por ignorar esta particularidade, a ex-presidente do Brasil, Dilma Roussef, mandou alterar a placa da matrícula do Rolls-Royce presidencial, que passou a ostentar Presidenta da República. Ainda bem que o seu sucessor, Michel Temer, foi sensato e não mandou emendar para Presidento da República.  Mas Brasília é  bem longe de Lisboa e por estas bandas de Vera Cruz, onde estou a escrever, fala-se cada vez mais brasilês. A tal ponto que, aqui há uns dias, o vizinho Aurélio, que é professor de inglês, mas viveu na Suiça durante uns anos, disse que me  percebe melhor quando falo francês.
Será devido à pronúncia e ao vocabulário. Conforme afirmou por estes lados José Saramago, quando lhe pediram para falar mais devagar, por causa do sotaque -Peço desculpa mas a língua é minha; o sotaque é vosso.
Regressando à questão inicial, convém esclarecer que o feminino de mordomo é mordoma, designando em ambos os casos quem organiza, participa, dirige e/ou custeia, no todo ou em parte, manifestações festivas de carácter religioso. Uma vez que na Festa dos Tabuleiros há múltiplos organizadores, divididos em comissões, o mais lógico seria portanto haver um ou uma mordoma-mor, coadjuvada por vários mordomos e/ou várias mordomas.
Para que dúvidas não restem, o melhor será mesmo consultar qualquer dicionário, ou então apreciar as belas fotos das mordomas da Romaria da Senhora da Agonia, que se realiza todos os anos em Viana do Castelo, com o seu ouro e os seus palmitos, semelhantes a miniaturas de tabuleiros, uma tradição no mínimo tão antiga como a Festa dos Tabuleiros:



ADENDA, às 19H30 de Fortaleza -Brasil

Entretanto o nosso estimado colega Tomar na rede refere a "primeira mulher Mordomo" e, logo mais abaixo, menciona a "escolha inédita de uma mulher como Mordomo". Em conformidade com os cânones da lingua pátria, que é sempre conveniente respeitar, é obvio que se trata da "primeira mulher Mordoma" e de "uma mulher como Mordoma."
Não consta que Tomar já tenha o privilégio de língua própria, ou sequer de gramática à vontade de cada um. Por saber isso, nunca me veio à cabeça, ao longo da vida, escolher uma mulher para pai dos meus filhos. As coisas são o que são.

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