quarta-feira, 4 de abril de 2018

Erros jornalísticos lamentáveis


"Câmara de Tomar disponível para ajudar a pagar obras na igreja de São João Baptista"


Câmara de Tomar disponível para ajudar a pagar obras na igreja de São João Baptista

"O município [de Tomar] informou que também está disponível para se juntar à Fábrica Paroquial da Igreja, dona do edifício, para que esta possa aceder ao IFRRU (Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas). A Igreja de São João Baptista foi construída no final do século XV e tem pinturas, no seu interior, datadas do século XVI. Foi classificada como Monumento Nacional em 1910."

O conceituado semanário regional O Mirante publica, na sua edição online de hoje, uma notícia da qual Tomar a dianteira 3 copiou o título e o final. Isto porque se trata de dois erros jornalísticos lamentáveis, conforme se passa a demonstrar.
De acordo com o próprio corpo da notícia, a Câmara de Tomar não "está disponível para ajudar a pagar obras na igreja de S. João". Está disponível, isso sim, para eventualmente se candidatar a fundos europeus destinados a obras de recuperação do património, o que não é bem a mesma coisa. A estrada da Beira não é a beira da estrada.
Quanto à conclusão da notícia, é simplesmente de bradar aos céus, mais a mais tratando-se da Igreja. A Câmara de Tomar estará disponível para aquilo que melhor entender. Não poderá contudo juntar-se à Fábrica Paroquial da Igreja, dona do edifício, porque se trata de uma rotunda falsidade, não podendo o município particpar em acções manifestamente contrárias à verdade e portanto à legalidade dos factos.
Tratando-se da Igreja de S. João Baptista, a história é bem conhecida em termos de propriedade. Desde que ficou concluída a sua ampliação, no primeiro quartel do século XVI (e não no último do século XV, como refere a notícia), passou a ser capela real. Primeiro de D. Manuel e depois dos seus sucessores, numa localidade dependente do prior da Ordem de Cristo, por sua vez dependendo directamente de Roma, em virtude do provilégio templário da diocese nula.
Em 1834, o templo foi nacionalizado, tal como todos os outros, passando a monumento nacional, património do Estado, em 1910. Só mais tarde, em virtude da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, a Igreja católica passou oficialmente a poder usar S. João Baptista sem quaisquer encargos materiais, leia-se sem pagar renda. Por conseguinte, não só a Comissão fabriqueira não é dona do templo, como nunca o foi, desde a sua fundação, pelo que a ideia retrógrada do confisco neste caso não colhe. A República, como herdeira legal da coroa, herdou também as capelas antes reais.
Noutra terra e noutro país, o assunto seria agora devidamente esclarecido na informação local e regional. Tratando-se de Tomar, geralmente terra de meias tintas, o mais provável é que fique tudo como está. Para que eventualmente, um dia destes, algum beato mais exacerbado venha garantir publicamente que sim senhor, a Igreja de S. João pertence à Igreja, pois em Abril de 2018 O Mirante noticiou que "o município de Tomar informou que também está disponível para se juntar à Fábrica Paroquial da Igreja, dona do edifício", e ninguém desmentiu... 
Por vezes é assim que se consegue reescrever a História.


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