sábado, 20 de janeiro de 2024

Ruínas romanas de Jerash, na Jordânia, a comparar com as alegadas ruínas de Sellium.

Alegadas ruínas romanas do Fórum de Sellium - Tomar. "Circulez! Il n'y a rien à voir!" costumam dizer os polícias franceses, quando há algum ajuntamento de mirones na rua. Caso o previsto museu das ruinas do Fórum de Sellium chegue alguma vez a abrir ao público, vai aparecer tanta gente que convirá colocar um aviso do mesmo tipo da polícia francesa: "Circulem! Não há nada para ver!"

Protecção do património

Respeito pelo rigor e pela verdade

Li com prazer, num dos semanários locais, uma tribuna de Alexandre Horta, intitulada "Visibilidade ao património". O que segue não é uma crítica malévola ou interesseira. Apenas uma maneira de dizer "desconcordo" em relação a alguns pontos, num clima geral de concórdia.
Começa o autor por referir que há em Tomar "ocupações já bem documentadas quer de romanos quer de muçulmanos." Peço licença para divergir, no que concerne aos muçulmanos. Não me considero um ignorante na matéria, mas confesso que nunca encontrei documentação científica mostrando a ocupação muçulmana no vale do Nabão, sem margem para dúvidas.
Há, é certo, os açudes, as rodas e a noras, bem como algum pavimento de tijolo burro em espinha, mas isso são apenas sinais da influência árabe, não da ocupação efectiva do território. Houve em tempos uma respeitável senhora arqueóloga que veio com essa mesma ideia, que todavia nunca conseguiu fundamentar de forma credível. Por exemplo, um dos tais pavimentos de tijolo em espinha, apontado pela senhora, está nas ruínas do Paços do Infante, que são do século XV, quando já não havia muçulmanos em Portugal há mais de dois séculos.
Mais adiante, Alexandre Horta  afirma que "É amplamente aceite pela comunidade científica que Tomar foi uma cidade com importância durante a ocupação romana." Terá sido. Acontece porém que a realidade é algo diferente. O que é amplamente aceite é  outra coisa. São os Itinerários de Antonino Pio, um dos quais -Olisipo > Bracara Augusta-  passa por Tomar. Infelizmente, neles as distâncias quilométricas entre urbes estão em millia passum, parâmetro que ninguém sabe bem a que corresponde actualmente, pelo que as ruínas de Sellium, a tal Tomar romana, tanto podem ser em Cardais, no Alvito, em Concórdia...ou nas traseiras do quartel dos bombeiros. Faltam achados significativos. O que está à vista até podem ser os alicerces de duas igrejas que ali houve e estão documentadas: S. Pedro Fins e Santa Maria de Selho.
Havia e há uma maneira prática, e não muito onerosa, de tentar apurar mais nessa matéria. Consistia em explorar a calçada romana a partir da Ponte das Ferrarias, mas a autarquia nunca quis ir por aí. Se calhar para não desmanchar o castelo de cartas do alegado "Fórum de Sellium", manifestamente muito mal amparado em termos científicos.
Passando a outra vertente, a da pertinência do nosso património, lastima-se que a Câmara já tenha gasto 700 mil euros no alegado fórum, mas aplaude-se que não tenha data para iniciar a 2ª fase do projecto. Isto porque, mesmo admitindo que os vestígios existentes sejam romanos e do alegado fórum de Sellium, o futuro espaço só poderá ser um museu de coisa nenhuma, ou pouco mais, conforme já escrevi meses atrás, e ninguém contestou até agora.
Nenhum visitante pagará um cêntimo sequer,  para visitar uns alicerces e umas peças vindas de alhures, e a autarquia não tem recursos para sustentar mais uma despesa fixa importante. O futuro espaço, mesmo que o consigam organizar e abrir ao público, o que é duvidoso, tendo em conta o evidente malogro do Complexo museológico da Levada, implicaria encargos anuais da ordem das centenas de milhares de euros. Um director,   mais uma dezena de funcionários, numa autarquia que já gasta para além de 40% do orçamento com pessoal, não seria coisa pouca.
Em conclusão, visibilidade ao património? Certamente. Mas só nos casos em que seja assaz curioso ou monumental, para poder ser explorado turisticamente. Porque a câmara já deve saber quanto lhe custam anualmente a Sinagoga, a Casa Lopes Graça, o NAC ou o Museu dos fósforos, por exemplo, tudo pago com os nossos impostos, que depois fazem falta noutros sectores. Para comprar ambulâncias, por exemplo...

 

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