quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

 


Turismo - planeamento - ensino profissional


UMA BOA TESE 
INFELIZMENTE COM "NÓDOAS"


"No melhor pano cai a nódoa" é uma sentença popular bem conhecida, que no caso presente tem todo o cabimento. Graças a mão amiga, chegou a Tomar a dianteira 3 um trabalho académico com a chancela da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril. Trata-se de uma das escolas superiores de hospitalidade das mais prestigiadas do país.
O dito trabalho académico respeita a tradição portuguesa, que tende a complicar o que é simples, em vez do exato oposto. Eis o título, algo alambicado, convenhamos: "Planeamento estratégico de destinos turísticos. Contributo para o desenvolvimento da atividade turística no concelho de Tomar". É uma tese de mestrado em Turismo pela ESHTE, da autoria de André Filipe Atalaia Martins, que teve como orientadores o Prof. Doutor Nuno Silva Gustavo, da Escola do Estoril, e o Prof. Doutor Luís Moita Figueira, do Politécnico de Tomar.
Da leitura atenta das duzentas e tantas páginas, resulta que faltou ao autor encontrar, designadamente, um editor ou revisor, competente em História local, lacuna que provocou o infeliz aparecimento de algumas "nódoas" lamentáveis:

A - "Em 1147 Tomar foi conquistada aos mouros..." (Página 66) Deve tratar-se de um lapso. Em 1147, D. Afonso Henriques conquistou Santarém aos mouros. Na sequência desse sucesso, dadas as quezílias daí resultantes entre os templários e o bispo de Lisboa, representante dos cruzados, que também tinham ajudado na tomada da vila, o rei português doou aos templários a igreja de Santiago de Santarém e o "termo de Ceras" (actual freguesia de Alviobeira). Só 13 anos mais tarde, em Março de 1160, Gualdim Pais inicia a construção do castelo "por nome Thomar". Por conseguinte, em 1147 não pode ter havido conquista de algo que ainda não existia. Se existisse, teria sido doado aos templários, em vez do "termo de Ceras"
B - "Em 1420, o Infante D. Henrique é nomeado governador... ... da Ordem de Cristo... ... tendo renovado todo o complexo do Convento de Cristo." (Página 66) Trata-se de mais uma impossíbilidade. O Convento de Cristo só veio a existir mais de 70 anos após o falecimento do infante (em 1460), que mandou edificar os seus paços e dois claustros, na alcáçova do Castelo dos Templários.
C - "No início do século XVI, D. Manuel I... ...expandiu o Convento de Cristo, acrescentando vários claustros...". Trata-se de um duplo lapso. Por um lado, o que D. Manuel I , como mestre da Ordem de Cristo, expandiu foi o mais tarde nomeado "convento velho", uma vez que o novo só veio a existir depois, no reinado de D. João III. Por outro lado, nunca houve nem há no conjunto conventual qualquer claustro manuelino.
Fica-se por aqui, para não alongar, anotando ainda assim que os lapsos antes assinalados só aparentemente podem não ter qualquer importância prática. Aprofundando, fica-se com a ideia que podem contaminar todo o trabalho académico, tendo em conta aquele provérbio "cesteiro que faz um cesto faz um cento". É pena porque, para além do emaranhado metodológico adoptado, há coisas excelentes no trabalho de André Martins.
Na página 108, por exemplo, a análise SWOT de vantagens/carências, mostra um diagnóstico muito completo e acertado da doença turística tomarense:

1 - Informação turística insuficiente e serviço de apoio pouco qualificado.
2 - Não há estacionamento suficiente para autocarros, nem na cidade nem no Convento.
3 - Fraco sistema de transportes públicos.
4 - Promoção insuficiente.
5 - Estada média inferior à nacional e à da região centro.
6 - Incapacidade financeira da autarquia para grandes investimentos.
7 - Planeamento turístico insuficiente.
8 - Poucos produtos turísticos desenvolvidos e estruturados.
9 - Deficiências na ligação Cidade-Convento
10 - Excessiva dependência do excursionismo.

Como se constata, a maleita é grave e os sintomas são numerosos. O trabalho de André Martins é de Outubro de 2017. Nele propõe, entre outros investimentos, a requalificação da Várzea grande, que entretanto já foi feita, e custou mais de três milhões de euros, em quase pura perda. Do que ali indica como essencial, o parque de estacionamento não existe, não há sinalização turística e o posto de informação está por fazer.
Em conclusão, abstraindo o estilo pomposo, concorda-se com o escrito na página 110: "O concelho de Tomar deve ser um destino de referência em Portugal, reconhecido internacionalmente.
O desenvolvimento da atividade deve visar a qualificação, a sustentabilidade e a competitividade da oferta, assente num Plano Estratégico de desenvolvimento turístico, adequado às particularidades do concelho."
Há mais de 40 anos que quem escreve estas linhas (passada a fase das teses, na Universidade de Paris VIII), anda a pregar essa mesma doutrina turística, até esta data sem qualquer resultado prático. Oxalá o novo titular do mestrado em Turismo venha a ter melhor sorte. É pouco provável! Regra geral, em Tomar pelo menos, quem manda torna-se impermeável à mudança e às ideias alheias. Deve ser do clima húmido. Para se protegerem, há cidadãos que começam a andar com a telha na cabeça.

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