Fernando "Nini" Ferreira
Protesto da comunidade escolar da Escola Santa Iria
UM ACASO MUITO OPORTUNO
Os tomarenses detestam ver-se retratados. Decerto porque regra geral o retrato não corresponde à elevada ideia que têm de si próprios. É humano, quando sem exagero. Caso contrário é patológico.
Daqui resulta que haja, numa terra pequena, tanta gente mal informada e, pior ainda, equivocada. Não lêem. Algo vai mal, quando quase metade da população julga inútil votar. Muitos com a justificação de que não se metem em políticas. Infelizes criaturas. Não conseguem dar-se conta de que, recusando participar na política, estão de facto a fazer política. Isto porque na raiz da palavra política está o prefixo polis = urbe = cidade. Por conseguinte, tudo o que diz respeito à cidade e/ou concelho é forçosamente político.
Esta abertura, que já vai longa, para abordar o justo protesto da comunidade educativa da Escola Santa Iria. Agastados com a decisão autoritária da câmara, de instalar no ginásio daquele estabelecimento de ensino o centro de vacinação, sem sequer os ouvir, solicitaram um encontro para, pelo diálogo directo, mostrarem os inconvenientes de tal decisão.
Cidadão muito experiente, bem formado, e político no activo há mais de 30 anos, o director do agrupamento escolar escusou-se, decerto com argumentação sólida, a participar no encontro. Em palavras chãs, já sabia do anterior o que a casa gasta.
E foi exactamente o que aconteceu. Numa das raríssimas ocasiões em que cidadãos tomarenses ousaram manifestar publicamente a sua indignação, e quiseram ser ouvidos pela presidente da câmara, não serviu de nada. Ficou tudo como estava antes. Tomar na rede usa a palavra intransigência. Creio tratar-se também de capricho e autoritarismo.
Foi porém um acaso muito oportuno este protesto. Permitiu perceber quão enganada está boa parte da população tomarense, por outro lado bajulada com sorrisos, vales de descontos, comezainas, passeios, subsídios e festarolas. Quando, de forma solitária, como quem fala no deserto, aqui se vão criticando os desmandos e outras asneiras da actual maioria e da "oposição", poucos lêem. Não gostam de iconoclastas (mesmo sem conhecer o vocábulo) e para eles a srª é como se fosse uma santa, um ícone. Os mais versados garantem até, com ar entendido, que quem escreve estas linhas tem um problema pessoal com a srª presidente, o que é totalmente falso.
Agora, infelizmente porque tem custos, aí têm a resposta. Aquela corajosa delegação de país, professores e encarregados de educação, que foram recebidos na autarquia por quem a lidera, ficaram a saber que, abusando dos brandos costumes tomarenses, a maioria PS age de forma ditatorial. Uma vez tomada uma decisão, mesmo errada e que cause prejuízos, recusam mudar o que quer que seja. Não dão o braço a torcer. Questão de autoridade.
Noutros países, ou mesmo nalgumas outras terras lusas, perante atitude tão prepotente, haveria mais formas de continuar a luta. Da greve geral da escola, à ocupação pacífica permanente do ginásio. Em Tomar, quase meio século após Abril, ainda nada disso é possível. E a maioria PS sabe-o bem. Os tomarenses parecem gostar de ser pastoreados de forma autoritária. Do tipo "está dito, está dito, faça-se!"
Nada disto surpreende quem escreve estas linhas. Nini Ferreira, o ilustre tomarense que em plena ditadura desencadeou e liderou uma manifestação muito participada contra o desvio das águas do Nabão, faleceu em Novembro de 1998, com 86 anos. Quando, no início dos anos 80, foi convidado para encabeçar uma lista partidária para a câmara, recusou, mesmo após muita insistência.
Tempos mais tarde, quando perguntado sobre as razões da recusa, foi lapidar: "Ó pele vermelha! Eu conheço bem os tomarenses. A minha mulher vai ao cabeleireiro uma vez por semana."
Pele vermelha era a alcunha carinhosa que o Nini atribuiu a este escriba, na sequência da convivência com outro nabantino ilustre, o bibliófilo António Cartaxo da Fonseca, pai da actual biblioteca municipal. Entregava-me todas as semanas recortes da imprensa, para eu usar como referência nas minhas crónicas no Cidade de Tomar de então.
Culto, reservado e bastante cáustico, Cartaxo da Fonseca era peremptório. De cada vez que, em conversa, íamos caminhando pela Praça da República, e aparecia outro amigo, disparava logo: -"Três tomarenses juntos é demais". E despedia-se com um rápido "Até mais ver".
A vida local não começou quando chegaram ao poder os que agora lá estão provisoriamente. Outros hão-de vir.
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