segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Aspecto do olival da Mata dos sete montes nos anos 50 do século passado. Entretanto as oliveiras foram quase todas cortadas, para aproveitamento da lenha, excelente para aquecimento. Propriedade do Estado? E daí?

Vida local

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

A abrir, a quadra completa de Camões que, apesar de zarolho, "via" mais que muitos com os dois olhos:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades

A notícia, que é um sinal dos tempos, chocou-me e levou-me a recordar. Uma cidadã trancou uma criança de poucos anos dentro do automóvel, e foi assistir a um daqueles concertos gratuitos de alta qualidade, na Várzea grande,  oferecidos pela Câmara durante a feira. (Ver link supra).
Algo emocionado, recuei mentalmente até aos anos 40 do século passado, por volta dos meus cinco anitos. Com muita dificuldade para pôr a comida na mesa, pois o meu pai gastava boa parte do magro vencimento nas tabernas da zona,  a minha mãe aceitou ir trabalhar "à jorna" na apanha da azeitona, na Cerca do Convento, a actual Mata dos sete montes.
Não tendo com quem me deixar, levava-me com ela e deixava-se junto a uma oliveira, com um cobertor cinzento, daqueles da tropa, para me abrigar. Foi assim durante duas semanas, se bem me lembro. Ao final de cada dia, ao sol posto, regresso a casa, sopa quente e cama.
Setenta e seis anos mais tarde, na mesma cidade, outra mãe, decerto por não ter a quem a deixar, trancou uma criança dentro do carro, e foi assistir a um concerto à borla. É outra época. Já quase ninguém apanha azeitona, ou trabalha no campo, e para quê? Os fundos europeus permitem comprar aos espanhóis e aos italianos, que manifestamente ainda não aprenderam a viver como deve ser, pensam os tomarenses mais novos. Se pensam mesmo alguma coisa a respeito.
A citada senhora já não terá grande dificuldade para pôr a comida na mesa, mesmo que o marido ou companheiro seja estroina, porque no mínimo terá o RSI e a Caritas. Resta-lhe portanto ser do seu tempo. Ir para noite. Divertir-se. O resto depois logo se vê. Desta vez teve azar. Só isso.
Claro que a Câmara não pode ser culpada pela ocorrência, como bem se vê.  Sendo certo que quando ainda se apanhava a azeitona e se trabalhava no campo, a feira era só feira, com umas diversões, mas não com uma série de concertos acoplados, como agora, a autarquia limita-se a acompanhar a mudança dos tempos. Oferece aos eleitores aquilo de que eles gostam, para depois lhes sacar os votos. Ninguém dá nada a ninguém. O resto é música de embalar.
Limpeza? Tirar ervas das ruas? Cuidar dos espaços verdes? Estacionamento? Estruturas de acolhimento? Passeios em Carvalhos de Figueiredo ou em Valdonas? Água e saneamento em condições? Para quê? Para quem? A malta jovem não sabe o que é esforço ou trabalho. Quer é eventos, festarolas, comezainas e subsídios. Um empregozito na função pública, um carrito e uma casita, para os mais exigentes. Ensinaram-lhes assim.
Como dizia a  minha avó, "Deus nosso senhor tem lá muito para nos dar. É só preciso saber pedir".  Com mentalidades destas, depois não se queixem, até porque não têm a quem. Há séculos que o povo costuma dizer que "A ocasião faz o ladrão." Num ambiente de euforia, tipo sempre em festa, estavam à espera de quê? Que a cidadã referida não viesse assistir ao concerto, ficando em casa a tomar conta da criança? Era só o que faltava! Isso era no tempo da outra senhora! Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades... Sempre assim foi.

ESCLARECIMENTO COMPLEMENTAR ÀS 13h52 DE 16OUT23


1 comentário:

  1. Se fosse, por exemplo no Reino Unido ficava imediatamente presa, mas isso custa muito ao erário publico.

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