domingo, 3 de outubro de 2021

 

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Vida local - Progresso - Mudanças

Uma grande cabeça

Ermelinda de Almeida Martins

Nos idos de 60 do século passado, o António, a que agora todos chamamos Rebelo, já era considerado uma grande cabeça. Alguém que sabia muito. Guiava na altura turistas no Convento de Cristo, e pouco mais tarde na região. Havia porém um problema entre ele e os conterrâneos. Já então constava que tinha ideias demasiado avançadas.
Feita a tropa, na guerra em Angola, o António regressou a Tomar. Perante as perspectivas, tendo em conta as suas ideias demasiado avançadas, familiares conseguiram-lhe um passaporte, para que pudesse emigrar. Era a melhor solução naquela época.
Nos início dos anos 70, já com estudos superiores feitos na Universidade de Paris, e um período de trabalho em França na área do turismo, o António foi levado a regressar a Portugal, devido a um casamento que entretanto terminara, de forma menos feliz.
Escolhendo viver em Tomar, e exercendo como professor do ensino secundário, acentuou-se a sua reputação de grande cabeça, de alguém que sabia muito, porém com ideias demasiado avançadas. Veio o 25 de Abril e o António fez, em 2 de Maio de 1974, a primeira sessão política para a criação do PS em Tomar, no então Grémio do comércio, ali na Corredoura.
Forçado a deslocar-se a França, para aí resolver problemas pendentes de família, ao regressar de novo à terra-mãe, verificou que outros haviam pegado no processo de fundação do PS em Tomar. Mas continuou, apesar disso, a ser considerado uma grande cabeça, alguém que sabia muito, contudo com o óbice de ter ideias demasiado avançadas.
No verão quente de 1975 resolveu emigrar de novo, que os tempos eram incertos. Foi acolhido no Quebec - Canadá, onde trabalhou como locutor-animador de rádio, tendo regressado mais tarde a Tomar, por ter sido entretanto colocado como professor no então Liceu.
Voltou a casar-se e continuou na profissão docente, com uma breve passagem pela política local. Foi deputado municipal na AM durante cerca de dois anos "porque a paciência não deu para mais", na sua própria formulação. Estávamos então no início da década de 80.
Sempre com a fama de grande cabeça, de alguém que sabia muito, foi escolhido, entre 7 candidatos a concurso, para um lugar de chefe de divisão na Câmara de Tomar. Foi igualmente sol de pouca dura. Passados 8 meses pediu a demissão e regressou ao seu lugar de professor efectivo.
Aposentado na primeira década do novo século, e mais tarde viúvo, dedicara-se entretanto a um blogue de comentário político, exactamente este que está lendo. Mantendo a reputação de grande cabeça e de alguém que sabe muito, todas as suas propostas vêm sendo rejeitadas, e os seus textos lidos com aquela atitude muito tomarense de quem está a fazer um frete. Porque, lá está, ele tem ideias demasiado avançadas.
Passados mais de 50 anos, os tomarenses que contam continuam a considerar o António uma grande cabeça, alguém que sabe muito, porém com ideias demasiado avançadas. E a rejeitar as suas propostas. Entretanto o mundo mudou, o regime mudou, as maiorias camarárias foram mudando. E os tomarenses em geral, também mudaram? Ou não?
Não se trata de simples perguntas retóricas, uma vez que o resultado eleitoral de 2021 é muito parecido com o de 2017. E depois porque a triste situação tomarense é esta, tendo em conta apenas os últimos 20 anos:

                     ELEITORES INSCRITOS

                  Tomar       Ourém        Leiria         T. Novas
2001..........39.330.......37.218.........95.531......... 31.709
2021..........33.892.......40.870.......113.419......... 30.795
                  -5.438......+3.652........+17.888.............-974
Fonte: MAI - Resultados eleitorais

Perante isto, tomarenses, vocês parecem estar cheios de razão. Continuem a não aceitar discutir as sucessivas propostas do António. A desdenhar dos seus escritos. São ideias demasiado avançadas, e Tomar está cada vez melhor, não está? Só quem seja invisual é que não vê... E vocês não têm culpa nenhuma. É óbvio. Como sempre.

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