quarta-feira, 10 de maio de 2023

 


Vida local

A Ilusão do penacho

É um dos problemas tomarenses que se agravaram com a nova civilização da imagem. A mania de se mostrar, de dar nas vistas, de ter palco. Uma forma de cabotinismo, a que em Tomar se costuma chamar penacho, do francês panache = maneira vistosa de fazer as coisas, espavento.
O mais recente exemplo de tal tendência foi a proliferação de escritos nas redes sociais, anunciando que finalmente a Festa dos Tabuleiros integra a lista do património imaterial nacional, condição prévia para posterior candidatura à UNESCO. A vereadora do turismo não esteve mesmo com meias medidas. Escreveu que se trata do "sonho de todos os tomarenses". Será mesmo?
Mesmo que seja, o que é muito duvidoso, trata-se de mais uma ilusão para mobilar tempos de crise, fingindo que nos levará a qualquer lado, o que não é o caso. Basta indagar um bocadinho sobre as candidaturas anteriores, já aprovadas pela UNESCO e tudo. Loiça escura de Bisalhães, Bonecos e bilhas de Estremoz, Fado, Cante alentejano, Festa da Flor em Campo Maior, tudo já com o selo "Património imaterial da humanidade".
Melhorias? Poucas ou nenhumas. Ninguém passou a gostar ou comprar mais fado ou cante alentejano por causa da classificação UNESCO, o mesmo acontecendo com a loiça, os bonecos e  as bilhas que chiam. Quanto à Festa da flor, em Campo maior, que as ruas populares ornamentadas dos tabuleiros imitam servilmente, foi remédio santo. Desde que foi classificada pela UNESCO, nunca mais o povo considerou oportuno fazer a festa. Porque deixou de haver financiador.
Dirão os defensores da tradição, por vezes sob a forma de gamela, que há o exemplo do Património da Humanidade propriamente dito, cujos locais classificados, como o Convento de Cristo, têm beneficiado com esse estatuto. Realmente têm mesmo, mas a situação é totalmente diferente. No caso do património material, os diversos estados tinham-se comprometido previamente a protegê-lo, no quadro da ONU-UNESCO.
O governo português tem cumprido a sua obrigação, apesar de ainda haver alguns problemas graves (falta de estruturas de acolhimento, entrada indigna, acompanhamento cultural deficiente, estado lastimável dos Pegões). Basta atentar nas sucessivas obras de restauro e manutenção, que custaram milhões.
Acontece que, no caso do património imaterial, não existe qualquer compromisso governamental ou outro, pelo que, mesmo que os tabuleiros venham a conseguir (daqui a quantos anos?) esse estatuto, a situação não se alterará. Ou mudam radicalmente o modelo, respeitando a tradição, ou quando a câmara deixar de financiar a maior parte, acabaram-se os tabuleiros, ficando apenas nalgumas freguesias (Carregueiros, por exemplo). E isso virá a acontecer inevitavelmente, pois os custos da festa continuarão a aumentar de forma galopante, e a partir de certa altura a câmara não terá simplesmente fundos disponíveis suficientes para tantos apetites. Mesmo agora, já vai para festas dinheiro que faz falta noutros sectores, mas ainda não se nota muito. E as festas dão votos, ao contrário dos esgotos ou do abastecimento de água, que ficam enterrados. Mas depois nota-se...
É a vida, diria o socialista Guterres...


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