segunda-feira, 25 de março de 2024

 

Imagem copiada do Le Monde, com os nossos agradecimentos.

Reportagem "LE MONDE" (tradução)

EM PORTUGAL ACUMULAR  EMPREGOS 

É CADA VEZ MAIS FREQUENTE

"Apesar dos dados favoráveis do crescimento económico, e da baixa taxa de desemprego, muitos portugueses vêem-se forçados a correr entre vários empregos, para conseguirem fins de mês mais tranquilos, tendo em conta os baixos salários, a inflação e a acentuada subida das rendas de casa."

Sandrine Morel, Enviada Especial Le Monde, 24/03/2024 14H30 de Paris

"À frente do Hospital de Santa Maria, na zona norte de Lisboa, Isabel caminha apressadamente entre os pacientes, dirigindo-se para o parque de estacionamento. Com olheiras bem visíveis, cabelos mal penteados e vários sacos nas mãos, esta médica cirurgiã de 38 anos, que solicitou o anonimato, vai para casa tomar banho, mudar de roupa e tomar o pequeno almoço, antes de voltar a sair para completar o salário numa clínica privada. "Trabalho 40 horas semanais neste hospital público, para ganhar 2 mil euros limpos no final de cada mês, após ter feito seis anos de especialidade em cirurgia. Não chega para viver decentemente, quando já não se consegue um apartamento capaz em Lisboa por 1.300 euros mensais", explica-nos sem esconder o seu cansaço, nem o seu descontentamento, num contexto difícil de falta de pessoal hospitalar. "Tenho de pagar também a creche das minhas duas filhas, e os preços da alimentação continuam a subir. Por isso trabalho também cinco horas semanais numa clínica privada, sem contar as intervenções cirúrgicas que faço nos meus "tempos livres". Tudo junto, faço 60 horas por semana, para conseguir 4 mil euros limpos no final do mês."
Em Fevereiro, o INE publicou o total de portugueses que acumulam dois ou até três empregos. Em 2023 são mais de 250.000, numa população activa de 5 milhões, o que corresponde a 5%. Um record, em contraste com os indicadores económicos à primeira vista favoráveis: crescimento 2,3% em 2023, dívida pública abaixo dos 100% do PIB, muito antes do previsto, e uma taxa de desemprego limitada a 6,5% dos activos. Mais de metade dos desempregados têm formação superior.
Mas é entre os que têm menos qualificações que o emprego cresce mais. A brasileira Márcia Álvaro, 42 anos, é arrumadora de quartos na indústria hoteleira, mas também marceneira. Diego, que não se identificou, é condutor Bolt e entregador de produtos farmacêuticos. 

DIFICULDADE PARA PAGAR CONTAS

Nas ruas de Lisboa, tomadas de assalto pelos turistas, mas também pelos ricos expatriados, nómadas digitais americanos e europeus ou oligarcas russos, as desigualdades são cada vez mais acentuadas, mostrando uma economia a duas velocidades. Por um lado, a capital portuguesa subiu do 20º para o 8º lugar no Barnes City Index 2024, que classifica as cidades que atraem mais ultra-ricos desejando investir no imobiliário de luxo.
Por outro lado, 3 em cada 4 famílias portuguesas tiveram dificuldades para pagar as contas em 2023, segundo o barómetro anual da DECO-PROTESTE, tornado público na passada quarta-feira, 20 de Março. Segundo o inquérito junto de 7 mil pessoas, sobre o peso das despesas com alimentação, educação, habitação, transportes, saúde e lazer, 75% das famílias em Portugal sentem dificuldades, e 7% estão mesmo em situação "crítica". Sem surpresa, é a crise da habitação -acentuado aumento das rendas e dos juros dos empréstimos- que provoca os principais problemas.
Aos 32 anos, Gonçalo Henriques vive ainda em casa dos pais. Arquitecto a tempo inteiro, ganha 1.400 euros mensais, e completa o seu salário como fotógrafo nos tempos livres. "Em 2023 ganhei 6 mil euros  a mais. Não chega para viver sozinho. Só se for num apartamento fraco na periferia. Mas permite-me comprar material fotográfico, frequentar cursos de formação e viver um pouco melhor", explica este cidadão, que deseja a médio prazo especializar-se em fotografia.

"UM MODELO DE ESPECIALIZAÇÃO QUE MOSTRA OS SEUS LIMITES"

"O modelo de especialização da economia portuguesa mostra os seus limites", assinala o economista José Reis, professor na Universidade de Coimbra, "Após a crise de 2011, o crescimento económico baseou-se nos sectores ávidos de mão de obra barata e pouco produtivos, como o turismo e os serviços. Não é sustentável a prazo e torna-se necessária uma reflexão aprofundada." (ver nota do tradutor no final)
A questão dos salários foi um dos grandes temas da recente campanha eleitoral para as legislativas 2024. Após os esforços do governo socialista de António Costa, dirigidos às classes populares, como por exemplo o aumento do salário mínimo, que subiu de 595 euros em 2015 para 950 em 2024, o novo primeiro ministro, o conservador Luis Montenegro, prometeu reforçar as classes médias."

Tradução de António Rebelo, UParis VIII

NOTA  DO TRADUTOR

Lê-se mais acima na reportagem, uma opinião do economista José Reis, professor na Universidade de Coimbra. Diz o ilustre académico que após a crise de 2011, Portugal apostou no turismo e nos serviços, opção que não é sustentável. Parece ser um ponto de vista de marxista com saudades dos operários da indústria pesada, que os factos disponíveis não confirmam.
Por um lado, não se vislumbra como poderia o governo ter limitado drasticamente a corrente turística, algo que até agora nenhum outro país experimentou. Por outro lado,  há exemplos que não confirmam o enunciado pelo respeitável professor coimbrão. Aponto 3, onde a actividade económica depende sobretudo do turismo e outros serviços, e não dá mostras de ser insustentável. Pelo contrário. Refiro-me à Grécia, à Croácia e ao Luxemburgo, mas há mais...


Sem comentários:

Enviar um comentário