quarta-feira, 29 de novembro de 2023




Urbanismo saloio

O Flecheiro de salgalhada em salgalhada

O MIRANTE | Atraso na empreitada do Flecheiro em Tomar não é preocupante

TOMAR – Câmara fez última proposta para chegar a acordo para ficar com terreno junto ao Flecheiro… Expropriação continua em cima da mesa | Rádio Hertz (radiohertz.pt)

Começa-se com dois esclarecimentos, tornados indispensáveis pelo leitorado ao qual se destinam. Primeiro, o termo SALGALHADA não é "gralha" nem erro de digitação. Está correcto. É costume as pessoas de mais fraca cultura usarem SALGANHADA, mas trata-se de uma corruptela do vocábulo original.
Em segundo lugar, esta crónica, desagradável para alguns, tal como as anteriores, porque a quase totalidade dos políticos locais, e muitos eleitores, convivem mal com a verdade nua  e crua, não nasceu do nada. Tem como origem a notícia que pode ser lida/ouvida nos links supra.
Podia-se começar pelo fundo do poço da história local. Os anos setenta do século passado, quando acamparam junto à praça de toiros, do lado oposto da Rua de Coimbra, alguns ciganos nómadas, com carroças e animais. Mas para quê? Para esclarecer que, sendo nómadas, deviam ter sido expulsos passados oito dias, em conformidade com as normas da época?
Tal não foi feito e, pelo contrário, mais tarde, quando um honrado cidadãos local comprou a então quinta de Santo André e pediu ao seu amigo presidente da Câmara, o socialista Luís Bonet, que lhe arranjasse uma solução para "aquela gente", o autarca nem hesitou. Disse que podiam instalar-se nos terrenos do Flecheiro, a título precário.
Só passados mais de trinta anos, outra Câmara socialista teve coragem para resolver o problema dos ciganos do Flecheiro. É a coroa de glória da maioria presidida por Anabela Freitas, apesar de lamentavelmente não haver para tanto. Por falta de adequado debate prévio, as sucessivas soluções encontradas em termos de realojamento, têm sido outras tantas salgalhadas sociais. Avolumam-se os problemas e as reclamações, havendo mesmo um caso -o bairro calé- que é ilegal perante as directivas comunitárias, o que implica que se encontre outra saída quanto antes.
Indo na onda dos técnicos superiores da autarquia, que poderão ser dos melhores do país, mas pertencem a um modelo ultrapassado, repetiu-se o erro da falta de debate, quando se tratou de reaproveitar os terrenos antes ocupados pelo  acampamento calé. A população não foi ouvida, nem foram tidas em conta as diversas achegas provenientes da oposição e da informação local.
Tal como na Várzea grande,  a senhora presidente decidiu e ficou decidido. Um terreno ajardinado para passear os cãezinhos, mais um equipamento amovível para crianças, que poucos vão  utilizar, porque de dia não há sombras e de noite é um bocado ermo. E lá se vão mais três milhões.
Acrescentaram umas boas dezenas de toneladas de terra, para relevo artificial, à moda da Disneylândia em Paris, esquecendo-se para o efeito que tudo aquilo é leito de cheia, pelo que, em caso de enxurrada, lá se vão umas centenas de carradas de terra. Com o pessoal admirado por haver quem mande instalar relevo onde é plano, e terraplanar onde há relevo. Será só para tentar justificar o preço da empreitada?
É  algo estranha, essa situação do leito de cheia, que não permite construção, uma vez que, no caso do logradouro do Convento de Santa Iria, também em leito de cheia, foi possível projectar, aprovar e edificar uma piscina, mais uma dezenas de quartos e outras dependências na margem do Nabão. Outro valores falaram mais alto que o leito de cheia, certamente.
Com tanta pressa para fazer as obras do Flecheiro, vem agora a saber-se que afinal há pendências que podem condicionar fortemente a conclusão das mesmas. As herdeiras da serração e da fábrica de mosaicos, ambas na extremidade sul, não perecem nada interessadas em negociar com a Câmara a cedência dos terrenos pretendidos, indispensáveis para a conclusão do "arranjo paisagístico" do Flecheiro, para usar a linguagem da casa.
Tudo isto era em grande parte escusado, se logo no início todas as pessoas sentadas à volta de uma mesa tivessem tido conhecimento de que o Flecheiro foi, até meados do século XIX, parte integrante da Várzea grande ou Rossio da vila, onde acamparam as tropas de D. João I e de Nun'Álvares Pereira, antes de partirem rumo a Aljubarrota, há 638 anos.
Quem diz Rossio da vila, diz campo da feira, como acontece ainda hoje Alentejo fora. E terá de voltar a acontecer um dia em Tomar, uma vez ultrapassada a era dos técnicos superiores e dos autarcas surdos, pouco sabedores ou respeitadores das tradições locais. Até porque a Quinta de Marmelais, que também é municipal, fica logo na outra margem. Mas ainda ninguém da autarquia reparou nesse detalhe, que pode mudar tudo com uma pequena ponte. Oxalá!




 

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