sexta-feira, 3 de novembro de 2023

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História local

A nossa rua

Numa bela e límpida prosa, que li com muito prazer, Jorge Monteiro, que conheci há décadas, quando  o pai comandava a GNR, na altura instalada no Convento de Cristo, disserta sobre alguma ruas de Tomar (Jorge Monteiro, A nossa rua, O Templário, 02/11/2023, página 13), entre as quais a actual Rua de Pedro Dias.
Tenho lá um pequeno prédio recuperado, paredes meias com o do amigo Alcino Gonçalves (ver imagem), mesmo ao lado dos antigos lupanares e morei por ali durante alguns anos, no tempo dos meus país. Era então o alcouce local,  "a rua das meninas", ou "rua das putas", em português popular (as almas mais sensíveis não têm nada que ficar chocadas, pois é tudo uma questão de hábito. Em Bruxelas, capital europeia, têm a Putaria, mesmo ao lado da sede da UE, e nunca lhe mudaram o nome (ver imagem).
Percebe-se pelo texto, que Jorge Monteiro também foi frequentador da "rua das meninas", cuja actividade cessou, por imposição governamental,  em 31 de Dezembro de 1961, sem contudo "estar por dentro". Já o autor destas linhas, que morava ao cimo da rua e era na altura condiscípulo de dois filhos de "patroas", na escola da Várzea Grande, conheceu muito bem tudo aquilo, sentado a jogar às cartas, naquelas mesas redondas com braseira, durante os longos invernos, quando ainda não havia TV. Odete Magra, Rosa do Zé da lã, Castelina, Laura, Adelaide Barca de água, eis algumas patroas muito conhecidas naquele  tempo.
Uma delas, a Adelaide Barca de água, foi mesmo bastante inovadora para a época. O "passe" custava na altura 20 escudos (10 cêntimos de euro), quando um funcionário camarário ganhava 400 escusos mensais (2 euros). Perante a falta de clientela, pois a concorrência era muita, (havia cerca de 20 profissionais do sexo), a patroa Adelaide inovou. Anunciou que, entre as duas e as seis da tarde, de segunda a sexta, o serviço sexual custava só metade do preço -10 escudos. A clientela aumentou logo, e verificou-se então que havia outros melhoramentos. Enquanto mantinha as pernas abertas para a função, a Adelaide ia comendo tremoços e ouvindo no rádio o "romance do Tide". "Três em um", décadas antes das modernas técnicas de marketing, quem diria?!
Na sua prosa, Jorge Monteiro sugere alguma relação entre Rua da Calça Perra e a actividade principal que ali se praticava, para logo a seguir indicar um cavaleiro da Ordem de Cristo, de nome Calça Perra,  opinando que devia ser "do Calça Perra", em vez de "da Calça Perra". Não é bem assim, prezado Jorge Monteiro.
A designação "Calça Perra" tem a sua origem no solar dos Calça Perra, agora dos Tasso de Figueiredo, aquele edifício imponente, com janelas renascença de tímpanos perspectivados, como na capela da Conceição, fronteiro à Travessa do arco. Quanto aos próprios Calça Perra, eram afinal os comendadores da Calça Perra, uma quinta-povoado, nos limites da actual freguesia da Sabacheira, ao lado da Comenda (ver imagem supra).
Fica o esclarecimento, agradecendo ao Jorge Monteiro a sua bela prosa, que o propiciou.


2 comentários:

  1. Fiquei agradavelmente surpreendido quando li o esclarecimento de António Rebelo, a propósito do meu texto A nossa rua.
    A questão central tem a ver com eu ter opinado que a Rua da Calça Perra deveria designar-se “do” Calça Perra. Ponto de vista baseado num itinerário que me levou a Martim Anes Calça Perra – um dos (residentes em Tomar) inquiridos no processo conducente à extinção da Ordem dos Templários. Dedução que, na ausência de informação mais esclarecedora, se me afigurou com sentido.
    Sem querer polemizar. A toponímia “da” Calça Perra remete para pessoa – mulher –, sítio ou outra procedência, do mesmo género gramatical. O “do”, tratando-se de pessoa, será de homenagem a homem. Aqui, o cabimento de Martim Anes. O nome da quinta-povoado poderá dever-se ao Calça Perra ter sido o proprietário original (ou proeminente) dessas terras. O inverso também será de considerar: ter tomado o nome da terra a que estaria ligado; coisa bastante comum.
    Se não, quem terá sido «a» pessoa a quem a rua foi dedicada?
    Não sou historiador, nem tenho, nesta altura do campeonato, aspiração a tal carreira – tão só, garimpo estórias, casos e factos que me despertam curiosidade, na presunção de que tenham interesse para quem os venha a ler.
    Sobre recordações dos tempos do convento, eu era miúdo e António Rebelo já um rapazola. Algumas das minhas memórias dos cerca de quatro anos que vivi no convento saíram n’O Templário em maio de 2020.
    No texto Tomar no Guiness, de 19 de agosto 2021, a propósito da prisão da “resistente” Liberdade Botica, referi aspetos relacionados com o comércio da rua Pedro Dias; e, ainda que de modo indireto, também tive a oportunidade de me excluir do rol dos ali iniciados. Pois, já beneficiei da onda libertadora que varreria as nossas universidades com a chegada a Portugal dos ventos do Maio de 68 (além dos de Leste) e das fumaças de Woodstock. Claro, de mistura com as vivências no meio tradicionalista em que decorreu a minha adolescência.

    Com elevada consideração,
    Jorge Monteiro

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    1. Muito grato pelo extenso comentário, permita-me um pequeno acrescento. A dado passo, refere-se ao "proprietário original" da Calça Perra. Como decerto sabe, até 1834 não havia na área do actual concelho de Tomar proprietários de terras. Eram apenas foreiros ou comendadores da Ordem de Cristo, senhora de todo o território, em virtude da doação do "Termo de Ceras" a Gualdim Pais, por D. Afonso Henriques, na sequência da tomada de Santarém.
      Se reparar bem na imagem do google que publiquei, do lado direito lá está escrito "Comenda". O tal Calça Perra terá sido o comendador, ou um dos comendadores, da comenda de ou da Calça Perra.
      Cordialmente,

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