terça-feira, 28 de novembro de 2023

Política e políticos 

Narrativa inquietante

Presidente da câmara goza com hoquistas do Porto | Tomar na Rede

Vão longe os idos de Maio de 68, quando surgiram nas ruas do quartier latin jovens universitários parisienses revoltados, usando uma linguagem original, da qual nos ficaram expressões como "É proibido proibir", "sob a calçada a areia da praia" "não aos mandarins" ou "governo e patrões mesmo combate". Isto e muito mais, gritado com alguma elegância no tom de voz, por jovens burgueses em grande parte dissidentes do Partido comunista francês, citando à mistura o "Petit livre rouge", do camarada Mao Tsé Tung, ou o "O homem unidimensional", do americano Herbert Marcuse. Sete anos antes do "verão quente" português. E eu estava lá.
Onde isso já vai! Agora, no centro do cantinho mais ocidental da Europa, um jovem autarca simpático mas pouco tolerante resolveu assediar, de forma claramente discriminatória, os atletas de uma equipa visitante, e um órgão local de informação cumpriu a sua obrigação, denunciando a inaceitável e deselegante atitude de um representante eleito da urbe. Simples questão de bom senso, de boas maneiras, de protocolo.  
Inesperadamente, mas nem tanto, surgiram logo no citado jornal electrónico dois comentadores, pelo estilo elementos da guarda pretoriana do partido em causa, defendendo o autarca com nítida falta de polimento, e atacando implicitamente o jornalista autor da notícia, publicada como "opinião", porque o seu autor conhece bem o peculiar microcosmo em que vive e escreve.
O primeiro dos tais guardiões do templo foi assaz sibilino. Limitou-se a escrever que ainda faltam dois anos para as próximas autárquicas, mas já começaram os fait-divers, assim mesmo, no idioma de Voltaire, porém com o significado implícito, dado o contexto, de fait-divers = boatos = calúnias = má-língua. Esperteza saloia. Dar a entender que o jornalista é que não presta, sendo o autarca excelente.
O outro comentador, que pelo estilo parece ser uma velha e bem conhecida raposa política local, foi bem mais longe. Escreveu que não houve qualquer ofensa ou inconveniência por parte do presidente, porque os visados pelo assédio não eram visitantes, mas simples jogadores de hóquei em patins a cumprir calendário. Curiosa visão das coisas. Acrescentou depois que, numa terra virada para o turismo, há forçosamente uma mentalidade servil, onde o velho conceito do respeitinho é muito bonito ainda não desapareceu de certas cabeças. Como se fosse algo nefasto e portanto pouco recomendável, denunciar as patacoadas dos eleitos.
Em resumo, para os dois comentadores citados, o autarca menos educado esteve bem. O jornalista é que prevaricou, ao publicar o que não devia. Situação similar à que ocorre agora em Lisboa com o governo socialista. Tudo boa gente, acima de qualquer suspeita, apesar dos euros escondidos em livros e etc. A PGR e o PR é que estiveram mal e deviam apresentar a demissão. Assim, sem mais. "É tudo uma questão da narrativa", diria o Sócrates, na sequência da sua breve passagem por Sciences-Po Paris, onde sempre aprendeu qualquer coisinha.
Tudo isto é inquietante. Duzentos e dois anos após a extinção do Tribunal do Santa Ofício da Inquisição em Portugal, que mandou torturar e queimar nas fogueiras tantos desgraçados que nem perceberam porque pecaram, e 49 anos após Abril, estamos a voltar à estaca zero. Quem não respeita a linguagem alinhada com as normas do poder, não passa de um reles e indigno prevaricador. Que só não arde na fogueira purificadora porque isso já não se usa, dado que destoaria na Europa a que pertencemos e que nos mantém. Há contudo outras formas de condenação mais subtis, mas quase tão eficazes.
Ainda ontem tive ocasião de ler, no Facebook, um longo e muito bem redigido libelo acusatório, estilo santa inquisição, contra Carlos Moedas, o autarca de Lisboa, subscrito por um capitão de Abril, o qual me deixou arrepiado. Entre outros factores, porque ambos os intervenientes, acusador e acusado, são filhos de militares. Um deles até frequentou o CNA, quando o paí estava colocado no QG de Tomar. Dada a diferença de idade entre ambos, como é possível tanto ódio? Decerto simples tarefa partidária.
Isto é que vai uma crise! Agora até há galinhas doidas, que passam o dia a dar cabeçadas nas vedações do galinheiro, para à noite dormirem com muitos galos.

ADENDA

Entretanto o autarca nabantino suprimiu o seu comentário litigioso, decerto por reconhecer que exagerara. Nem tudo está perdido.


2 comentários:

  1. É capaz de haver um código de conduta para o presidente da CMT e de certeza que este comportamento viola as normas que lá estão. Quero ver a atitude da oposição....

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    1. Salvo raras e honrosas excepções, a oposição vai calar-se, porque a educação escolar e académica dos seus membros é praticamente igual à do sr. presidente da Câmara. Ignoram o que seja protocolo e boas maneiras.
      A própria presidente foi a Israel, convidada pela cidade Hadera, que tem um acordo de geminação com Tomar desde os anos 80 do século passado, mas nunca convidou o presidente daquela cidade israelita para visitar Tomar, assim contrariando o que mandam as boas maneiras. Mal educado sou eu, que só digo parvoices, segundo alguns xuxas locais. Tomei nota, como podem ler.

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