terça-feira, 14 de novembro de 2023



Património edificado

O ex-quartel de S. Francisco 

aguarda tempos mais claros


O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita, diz o povo e parece confirmar-se no caso do ex-Convento de S. Francisdo, antigo quartel do R.I.15. Edificado a partir de 1637, em plena dinastia filipina, graças a um julgamento à medida, que declarou o então rossio da vila pertença do povo, quando era na realidade propriedade da Ordem de Cristo, em virtude da doação de D. Afonso Henriques aos templàrios, nunca conheceu uma vida desafogada. Ainda hoje se usa em Tomar a expressão "uma pobreza franciscana", com o significado de extrema carência.
Em 1834, um decreto real da autoria de Joaquim António de Aguiar (por alcunha o mata-frades) suprimiu todas as ordens religiosas em Portugal e confiscou os respectivos bens, que depois vieram a ser vendidos em hasta pública como "bens nacionais". Ao contrário do Convento de Cristo, de Santa Iria e da Anunciada Nova, entre outros, S. Francisco não encontrou pretendentes, vindo a ser aquartelamento de unidades militares, a última das quais foi o RI 15.
Transferido o regimento para o novo quartel além da ponte, nos anos 70 do século passado, o velho convento franciscano foi ficando devoluto, acabando por ser doado à Câmara municipal já depois do 25 de Abril. Nos anos 80, o então presidente Amândio Murta, da AD, católico e membro da Opus dei, ("irmãozinho", como se dizia na época) vendeu a uma "irmandade franciscana" a parte norte de S. Francisco: um claustro, a igreja e dependências, tudo por 150 mil escudos (750 euros em moeda actual).
Terá sido uma transacção de boa-fé, todavia juridicamente nula, uma vez que o decreto que confiscou o bem especifica, no seu artigo 3º, que o mesmo jamais poderá voltar à posse dos anteriores titulares, e essa norma legal nunca foi anulada, mantendo-se portanto em vigor, o que impede a  "irmandade franciscana" herdeira da Ordem 3ª de S. Francisco, de ser proprietária de S. Francisco, ou de parte dele.
Acresce que, dispondo a autarquia de notariado privativo, nunca foi possível até agora consultar o documento de doação ao Município, para aí apurar quais os bens e os seus limites que foram efectivamente doados, uma vez que se mencionou na altura o "quartel de S. Francisco", sem mais detalhes. O que coloca uma questão essencial: Tendo em conta o decreto de extinção de 1834, mas também a Concordata de 1940, a igreja de S. Francisco fazia parte do quartel? A que título?
Desta confusão inicial, resulta a situação actual daquele conjunto à ilharga da Várzea grande. Parte sul e poente ainda na posse do Ministério da defesa, parte centro-sul pertença do Município de Tomar e parte norte, com a igreja, na posse precária da citada irmandade franciscana.
A complicar a situação, a parte camarária foi recuperada e está ocupada por diversas entidades, ou transitoriamente devoluta, enquanto a sector adquirido pela irmandade está em ruinas, ou em vias disso. A Câmara, em vez de providenciar soluções para as partes devolutas, designadamente as antes ocupadas pelo extinto GAT, bem como um entendimento definitivo e juridicamente inatacável com a irmandade, optou por tentar comprar ao Ministério da defesa as partes ainda na posse dos militares, para aí mandar edificar um edifício destinado a agrupar os serviços administrativos municipais. Estranha opção, todavia nunca contestada pela oposição.
Conhecedores da fraca posição municipal, os representantes da irmandade foram procurando obter ajudas, tendo conseguido que o governo mandasse instalar um telhado novo no claustro norte, como se fosse propriedade pública. Posteriormente, na sequência das obras em S. João Baptista, feitas pela Câmara, quando a igreja é tutelada pelo governo via DGPC, tentaram conseguir que a autarquia assumisse as obras de restauro da igreja, bem como de recuperação do claustro norte e dependências.
Ainda se falou num acordo de comodato com a irmandade, que a ter sido celebrado carece de validade jurídica, tendo em conta os antecedentes supra explicados.
No meio desta confusão toda, conviria que a oposição procurasse obter explicações sobre duas opções pouco consensuais:
1 - Comprar os terrenos do ministério da defesa por 700 mil euros e aí edificar um centro de serviços administrativos, para quê, quando a autarquia tem tantos locais devolutos, no próprio S. Francisco (ex-sede do GAT e laboratório de solos), ou no Palácio Alvim? Interessa realmente recuperar o património e reinstalar os serviços administrativos municipais? Ou simplesmente encomendar projectos megalómanos e contratar obras milionárias?
2 - Assumir as indispensáveis obras na igreja e no claustro, sem antes esclarecer de uma vez por todas a posse daquele edificado, interessa a quem? Porquê e para quê?
A falta de rigor, o facilitismo e a bandalheira não têm grande futuro enquanto modo de actuação, como está cada vez mais à vista de todos os que não são partidariamente cegos. Estar na União Europeia tem vantagens, mas também obrigações constrangentes. Qu'on se le dise!


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