sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Estruturas de acolhimento

O tormento da falta de estacionamento


Quando em Tomar alguém escreve sobre a necessidade de estruturas de acolhimento para desenvolver o turismo, entre as quais avulta o estacionamento, há logo uns cérebros, ao serviço da maioria autárquica que temos, quem vêm defender o oposto. Nada de modernices. Como está é que é bom. A mais recente intervenção de uma das melhores cabeças do PS local foi lapidar: "Ninguém deixa de visitar o Convento por falta de estacionamento." Será mesmo assim?
Tomar é, no contexto europeu, uma micro-urbe, e no âmbito nacional uma cidade estagnada, em acentuada decadência. É portanto pouca, e nem sempre da melhor qualidade, a massa cinzenta existente, (os melhores já se foram quase todos),  o que impõe a importação de outras maneiras de ver, como eventual ajuda à hipotética aprendizagem. Sobre o estacionamento urbano, e a falta  que faz,  eis o ponto de vista do jornalista brasileiro Henrique Araújo, no jornal O POVO de 13/09/2023. Escreve sobre Fortaleza, uma cidade com 2,5 milhões de habitantes e menos de 300 anos. Tomar tem 863 anos e menos de 50 mil habitantes...

"Cidade-estacionamento"

"Nada de turismo, energia limpa ou gastronomia. A grande mercadoria cearense é o estacionamento. Em suas mais diversas modalidades -coberta, ou aberta, ampla ou diminuta- a peça urbanístico-arquitetônica se define grosseiramente como esse lugar onde se manobram carros de toda a espécie,  lá permanecendo enquanto o nativo se desincumbe da tarefa de rodar à procura de uma vaga.
Centro comercial ou restaurante, farmácia ou motel, igreja ou padaria, clube ou parque, nenhum empreendimento que se preze sobrevive na ferocíssima arena concorrencial local, sem que se apresente como a quintessência na arte de estacionar com segurança e garbo.
Donde que aquilo que um dia já foi secundário, que seria a busca muito penosa por espaço para estacionar o veículo, (por si só um membro dileto da família, sem o qual nenhum núcleo afetivo está completo), o estacionamento se converte no principal atrativo do negócio: o seu "core business", em linguagem mais palatável para o empreendedor.
De modo que se escolhe esta ou aquela drogaria, este ou aquele cinema, esta ou aquela barraca de praia, pela área reservada aos automotivos. Se cobram em demasia, se têm arrumadores próprios, se dedicam atenção especial ao carro, tratando-o como um animal de estimação, um afilhado, um chegado que goza do estatuto de consaguinidade, ou como a um estranho, um hostil, sem vínculo com a máquina antropomorfizada.
Os remédios, os descontos, o atendimento, o preço de ingresso, o cardápio, o roteiro, se o filme é dobrado ou legendado, tudo isso é o de menos. Mesmo a balança, que já foi o grande diferencial e item obrigatório em casas do ramo farmacêutico, hoje é dispensável, quase decorativa.
O estacionamento não. É dispositivo vital no desenho das novas edificações e na modelagem espacial da metrópole. Não se imagina uma nova Beira-mar, por exemplo, sem estirões de piso intertravado, sobre os quais os aros brilhantes ou enferrujados vão desfilar nos fins de tarde.
Engana-se quem pensa que exagero, que ainda existem áreas em que essa variável não incide, tal como os setores mais importantes  no futuro de um arranjo familiar qualquer, a escola por exemplo. Ora até aí o estacionamento impera. Há, entre pais e mães mais ou menos progressistas, e que zelam diligentemente por suas crianças, aqueles cujas escolhas de colégio se orientam também pelas condições de estacionalidade do estabelecimento educacional, considerando sobretudo o trabalho que terão ao longo do ano para deixar e depois apanhar os pequenos na porta da unidade.
Porque não basta encontrar a vaga perfeita para o carro. É preciso que esteja rente à entrada, na soleira, com a traseira ou a dianteira do veículo pronunciando-se já para o interior do ambiente, seja ele qual for, de maneira a encurtar o trajeto feito a pé. reduzindo-o a nada, de preferência. Entre nós, a cidade rodável é sempre mais atrativa e preferível em relação à sua prima desgraciosa, a cidade andável.
É o fim dos tempos, horrorizam-se os mais sensíveis, mas também um traço de modernidade, em direção à qual o cidadão condutor avança em grande velocidade, sem retroceder.
Sinal de que finalmente nos igualamos, enquanto metrópole, àquelas urbes onde cada apartamento dispõe, como materialização de uma utópica autossuficiência, de uma ou duas vagas de estacionamento coladas à sala, no coração da casa, totalmente integradas no lar."

Henrique Araújo
henriquearaujo@opovo.com.br



4 comentários:

  1. Belíssimo texto .
    Por cá e na maioria das autarquias e governos imperam os microcéfalos!

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  2. Tomar cidade templária não tem estratégia para o seu desenvolvimento, mas nesta vertente da mobilidade/estacionamento/território tem sido cometidas verdadeiras atrocidades.
    O objetivo final parece ser "devolver a cidade aos cidadãos " queira lá isso significar o quê.
    Se não circularem carros , não há necessidade de estacionamentos, certo?
    Então vá de fazer ciclovias que estão desertas, estreitar estradas principais da cidade, anular lugares de estacionamento, taxar os restantes.
    No entanto o que se observa é , os frequentadores de ginásios, com personal trainer, vão de carro até à porta do ginásio, os ciclistas andam nas estradas e não nas ciclovias, os camionistas estacionam onde conseguem chegar na cidade, e quem vem de fora não consegue estacionar , na Várzea Grande nem na pequena, no Convento e no fim de uma pequena volta na cidade , seguem para outras paragens.
    Quanto aos passadiços então nem falar.
    É o que temos , e pelos vistos ainda vai piorar com este néscio que vai herdar a presidência.

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  3. Esta semana presenciei o seguinte .
    Um ciclista circulava na Av. D. Nuno Alvares Pereira no sentido Norte/sul na faixa utilizada para automóveis ,no mesmo sentido circulava um dos camiões da empresa que está em obra no Flecheiro .Ora o camião percorreu toda a Avenida atrás da bicicleta e á velocidade desta pois os em sentido contrário o trânsito não permitia que o camião ultrapassa-se o velocípede .
    Ou seja se a configuração da avenida se tivesse mantido como era o ciclista circulava no mesmo local e o camião teria largura da faixa de rodagem para a ultrapassagem .
    A ciclovia ( que não é utilizada ) roubou espaço ao passeio ,ao estacionamento automóvel e á faixa de rodagem para estes !
    Modernices...

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    1. O ciclista teve um comportamento normal. Sabendo que as pistas cicláveis não têm continuidade, limitou-se a usar a faixa de rodagem, para evitar mudanças.
      Se quem fez o projecto e quem o aprovou usassem todos os dias a bicicleta como normal meio de transporte, a obra teria sido bem diferente.
      Estamos entregues a gente sem experiência de vida e sem vontade de ouvir os outros. Anedotas armados em génios da política.

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