Fim de reinado em Tomar
Uma autocrata que cumpriu a tradição
Nunca fui, não sou, nem tenciono vir a ser jornalista encartado. Mas há longos anos que venho procurando cumprir a minha obrigação de cidadania, escrevendo para os meus conterrâneos sobre a política local, sempre com respeito pela verdade factual. Nesse quadro, ouvi na íntegra a derradeira entrevista da senhora presidente da Câmara, cuja gravação me foi enviada por amizades a quem agradeço.
À boa maneira americana, começo pela síntese, a minha opinião global: Uma autocrata oportunista que cumpriu a tradição e prejudicou o concelho, sem disso se dar conta. Fez tudo mal? Errou sempre? Desagradou a todos? É claro que não.
Quem se interessa por estas coisas e tem o hábito de ler e ouvir com atenção, sabe que "a política é a arte do possível, toda feita de execução". Nesse sentido, a senhora foi fazendo política ao longo de dez anos, infelizmente nem sempre da melhor forma. Apesar das lacunas e dos erros, deixa uma imagem em grande parte positiva, porque desde o início teve a habilidade de comprar votos de forma quase descarada. A Câmara de Tomar distribuiu anualmente mais do dobro dos subsídios às colectividades de cultura, desporto e recreio, em comparação com qualquer outro concelho do Médio Tejo, ou do distrito de Santarém. Além disso, gastou também anualmente muito mais que qualquer outro município da zona, excepto Leiria que tem três vezes mais habitantes, em eventos ditos culturais e desportivos. Basta pensar no quase milhão e meio a fundo perdido para os tabuleiros. Uma exorbitância.
Não surpreende portanto que deixe admiradores interesseiros e camaradas de partido muito satisfeitos. "Toda a gente se vende", disse uma vez Dª Maria II. Mas as lacunas e os erros aí estão, a mostrar as oportunidades perdidas e as asneiras cometidas. Falta estacionamento, falta saneamento mesmo ao lado da Câmara e por esse concelho fora, falta um parque de campismo, falta um pavilhão multiusos, falta uma ligação rápida e não poluente cidade>Convento>cidade, falta uma câmara cujos funcionários trabalhem eficazmente para a comunidade tomarense, falta construção para habitação, faltam empregos produtivos, falta investimento criador de valor acrescentado...
Podia ter sido pior? É claro que podia. Mas também podia ter sido bem melhor, se não tem havido tanta casmurrice. Um exemplo: Falando do Flecheiro, o alegado grande sucesso da governação da senhora, o jornalista entrevistador revelou coragem ao dizer o que é óbvio. A Câmara resolveu o problema do Flecheiro, espalhando-o pela cidade. A senhora reconheceu -que remédio!- que os ciganos estão realojados, mas não estão integrados, e rematou com esta pirueta típica de qualquer autocrata: "Qual era a alternativa? O jornalista encaixou e calou-se, porque precisa do ordenado ao fim do mês. Ficou assim por dizer o remate natural: "Agora é que a senhora faz essa pergunta? É capaz de ser demasiado tarde."
Autocrata portanto, muito senhora do seu nariz e ouvindo só para fazer de conta, revelou-se igualmente oportunista. Ao abordar a questão da renúncia a meio do mandato, distraiu-se e disse a frase a evitar: "surgiu esta oportunidade", quando em boa verdade não surgiu, foi ela própria que a criou. Vejamos, por simples dedução.
Ao cabo de duas décadas, a senhora cedeu as ruínas do Convento de Santa Iria, inicialmente avaliado por António Paiva em três milhões de euros, pela bagatela de 706 mil euros. Uma venda ao desbarato, que se aceita tendo em conta a envolvência. O feliz comprador foi uma grande empresa hoteleira, que muito vai contribuir para o desenvolvimento do turismo local.
Há todavia detalhes posteriores que explicam muita coisa menos aceitável. Mais tarde, a senhora anunciou a sua candidatura ao Turismo do centro e, inesperadamente, acabou por integrar a lista do outro candidato, do PSD. Porquê e para quê? Obviamente para garantir de antemão um lugar bem remunerado durante os próximos cinco anos (?), sem correr o risco de ficar de fora, caso perdesse a eleição.
São eleitores na Entidade regional de turismo do Centro os presidentes das câmaras envolvidas e os profissionais de turismo da região, entre os quais os hoteleiros. A empresa Vila Galé dispõe de três hotéis na zona centro, em Coimbra, Serra da Estrela e Tomar. Não surpreende por isso, e até pode explicar a estranha transferência da candidata tomarense para a lista adversária, que o presidente dos Hotéis Vila Galé, Jorge Rebelo de Almeida, (cidadão honorário de Fortaleza-Ceará-Brasil, onde possui duas unidades hoteleiras), tenha sido o mandatário da lista vencedora...
Condenável, a situação da candidata socialista? Certamente, mas de forma moderada, uma vez que se limitou a cumprir a tradição local. António Paiva foi trabalhar para uma construtora de Ourém, com a qual assinara antes contratos como presidente da Câmara, e o mesmo fizeram o vereador António Alexandre, com a Águas do Centro, ou o presidente Carlos Carrão, com a agora falida Resitejo. É a política à portuguesa, na sua versão tomarense. Só se deixa enganar quem quer. Calam-se os que a isso são levados pelas circunstâncias.
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