quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Em França estão assim - Conclusão

"Os professores falam das suas dificuldades ante as provas para corrigir,  porque estão realmente em grande sofrimento",  esclarece um docente-investigador, que prefere manter o anonimato. "Não se trata de casos isolados, ou de problemas de percepção, como se pode ouvir da parte daqueles que afastam o problema com um gesto da mão, afirmando não se poder demonstrar, cientificamente, que o nível dos estudantes baixou. Quando sou confrontado com estudantes que não sabem conjugar o verbo ter no indicativo, tenho muita pena, mas há mesmo um problema e grande."
Para Jenny Raflik, muitas vezes nem é a boa vontade dos estudantes que está em causa. "Sem fazer juras nem promessas oca (sic) de qualquer sentido, faço o que posso para acabar com esta tara que me pesa", escreveu-lhe com tristeza um estudante de segundo ano de licenciatura a quem ela criticara a ortografia e a sintaxe, numa prova muito completa quanto ao resto.
Na área das ciências exactas, este problema do domínio da língua materna tem também consequências nefastas: "Uma coisa é não saber resolver um problema de matemática ou de física, porque não se sabe a matéria dada, e por isso não se consegue pô-lo em equação. Outra coisa é não compreender o problema proposto", sublinha Guillaume Miquelard-Garnier, mestre de conferências (hierarquicamente entre mestre assistente e professor titular, nota do tradutor) que ensina a ciência dos materiais. Além disto, alguns professores lamentam a falta de conhecimentos prévios. "Entre o liceu e a licenciatura, os programas exigem agora menos que antigamente. Daqui resulta que, quando os estudantes chegam ao "master", vê-se bem que há exercícios que já não sabem fazer e conhecimentos que deixaram de adquirir", pensa Thierry Astruc, docente-investigador em matemática.
Os professores universitários que manifestam o seu mal estar, são todavia raros a admitir uma "baixa de nível". "Está fora de causa que eu adopte os discursos declinistas agora na moda, e abstenho-me de fazer comparações temporais. As modalidades de avaliação e o conteúdo das formações evoluiram", explica Caroline Muller, que ensina história do século XIX no primeiro ano de História, e culturas numéricas nos 2º e 3ºanos, na Universidade de Reims. "Mas a falta de nível é um problema sempre presente. A sintaxe e a ortografia podem continuar a deixar muito a desejar, uma vez concluída a licenciatura", acrescenta preocupada a docente antes citada.
Há uma outra maneira de abordar o problema: falar do nível do famoso diploma concedido ao fim dos primeiros três anos de ensino universitário. Com a massificação do ensino superior, as universidades em geral reduziram as suas exigências? A maior parte dos docentes contactados contestam tal ideia, mesmo se alguns falam de "adaptações". O professor que denunciou no Twitter o "nível apocaliptico" dos alunos, admitiu também já ter cedido, face à impossibilidade de conseguir comentários integralmente em inglês, concedendo a possibilidade de metade em francês. Na mesma linha, decidiu acrescentar perguntas sobre questões de cronologia, para "melhor valorizar a aprendizagem, ao não conseguir obter análises."
Os mesmos docentes universitários manifestam com frequência a ideia segundo a qual os diferentes dispositivos de compensação entre as notas e os semestres, permitem a alguns estudantes passar entre os pingos da chuva: "Vemos chegar ao terceiro ano jovens que praticamente nunca obtiveram uma média positiva nas matérias fundamentais, mas que puderam equilibrar com opções sem ligação directa com a licenciatura."
"As malhas da rede talvez sejam menos apertadas que antigamente, para obter alguns diplomas. Mas convém lembrar que a Universidade continua a ter numerosos alunos muito bons. Na realidade, por detrás do problema da baixa de nível, apontado por uma parte dos docentes, perfila-se a chegada à Universidade de candidatos mais variados, muitas vezes com condições indignas de enquadramento e de aprendizagem", reconhece o sociólogo Mathias Millet, da Universidade de Tours, que acrescenta: "Há designadamente o caso dos candidatos oriundos do ensino profissional e tecnológico, que têm naturalmente o seu lugar na universidade, mas que estão menos preparados na área académica, quando comparados com os alunos "herdeiros", ou os já antes seleccionados nas escolas."
Perante os novos alunos, os docentes-investigadores carregados de diplomas académicos, sentem-se com frequência sem recursos. "Quando sou forçada a fazer praticamente aulas de alfabetização para adultos, sinto não ter as ferramentas necessárias. Não fomos formados para isto. Sou historiadora", confirma Jenny Raflik.
Há, no meio disto tudo, uma contradição no sistema de ensino superior francês, apontada por vários docentes universitários, com alguma amargura: Estes jovens que teriam necessidade de um enquadramento humano mais eficaz, aparecem nas universidades com muito menos meios docentes quando comparadas com outras fileiras. Como os cursos preparatórios para as "grandes escolas", por exemplo, que facultam um acompanhamento individualizado a alunos todavia bem mais homogéneos, quanto ao nível e à origem social."

Camille Stromboni, Universités: des professeurs s'inquiètent du niveau en licence, Le Monde, 06/02/2018 às 13H14
Tradução e adaptação de António Rebelo, UPARISVIII

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